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Intervindo na sala de aula: Mudando narrativas sobre agress�o

Neusa Teresinha Franco Scheider

UNIDAVI (Brasil)

Prof. Mestra Edla Grisard Caldeira de Andrada

Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil)


Resumo

Este trabalho relata parte do est�gio em Psicologia Escolar junto a uma turma de 12 crian�as com idade entre 3 e 5 anos, em uma escola particular. A demanda foi de que observ�ssemos uma crian�a que estava sendo agressiva para auxiliar a professora. Esta crian�a estava sendo vista como m� por seus colegas, pais dos alunos e at� mesmo pelos seus professores, devido ao seu comportamento anti-social em sala de aula. Partindo do pressuposto sist�mico e da psicologia hist�rico-cultural o objetivo desta interven��o foi de resignificar as narrativas acerca do menino assim como os pap�is cristalizados no grupo.

Palavras-chave: Psicologia Escolar, agressividade, interven��o sist�mica.

Abstract

This article is part of the training in Educational Psychology with a group of 12 students between 3 and 5 years old from a private school. The school board asked us to observe a child who was being aggressive in order to help the teacher. This child was seen as bad by colleagues, colleagues� parents as well as the teachers because of the anti-social behavior in the classroom. Based on the systemic presupposition as well as the cultural-historical thought the objective of this intervention was to change the narratives about the child as well as the crystallized roles within the group.

Key-words: Educational Psychology, aggressive behavior, systemic intervention.


INTRODU��O

O presente artigo trata de uma interven��o realizada na �rea da Psicologia Escolar junto a 5 professores, 1 estagi�ria e 12 crian�as do Ensino Fundamental de uma escola particular de Rio do Sul, Santa Catarina. O pedido da dire��o da escola, foi de que observ�ssemos uma turma de 12 alunos com idade entre 3 a 5 anos, mais especificamente para auxiliar a professora que estava sentindo dificuldades em trabalhar com um aluno, determinado �crian�a problema�, sendo que este aluno foi caracterizado pela diretora e posteriormente pela professora como �agressivo, desatento, impulso, uma crian�a que s� se identifica com coisas do mal�

Na primeira entrevista com a professora, esta falou das dificuldades enfrentadas na realiza��o para efetuar o seu trabalho junto �s crian�as: �meu trabalho muitas vezes � frustrante pois n�o consigo fazer as atividades programadas, porque Jo�o1 n�o deixa. Fico insegura, pois n�o sei como Jo�o vai agir a cada momento. Necessito ter uma ajudante, muitas vezes tenho que segurar Jo�o pela m�o o tempo todo (...) As outras crian�as come�aram a dizer que ele � do mal, porque � muito agressivo. J� fui obrigada a mandar as outras crian�as revidarem quando ele bate nelas.�

A principio foram realizadas 14 observa��es totalizando 40 horas de observa��o, onde se buscou estar com o grupo em v�rios per�odos e situa��es diferentes de sua vida escolar. Assim, foi poss�vel estar entre as crian�as em v�rios momentos, tais como: chegada, sa�da, hora das atividades dirigidas, no lanche, no parque, nas aulas de ingl�s, inform�tica, educa��o f�sica, em brincadeiras no parque, no bosque em passeios, enfim participando como um todo das rela��es estabelecidas entre o grupo e com os professores.

Estando com as crian�as, foi poss�vel participar de suas atividades e observar como se davam as rela��es na sala de aula e em outros contextos da vida escolar das crian�as. Tornou-se poss�vel observar como a professora se relaciona com as crian�as de um modo geral e como se relaciona com a �crian�a problema�, assim como constatar como as crian�as se relacionam entre si e como se beneficiam do comportamento �anti-social� de Jo�o. Por exemplo, quando uma crian�a faz uma arte na sala ou bate em um colega logo coloca a culpa em Jo�o, mesmo que este nem esteja na escola.

Partindo das observa��es feitas, verificou-se que os comportamentos da �crian�a problema� ou do �paciente identificado�2 do grupo est�o em rela��o com cada membro da sua turma, bem como em rela��o com professores e demais pessoas que trabalham na escola. Dessa forma, n�o se pode estudar seus comportamentos como fen�menos isolados das rela��es que o menino mant�m com os demais participantes do seu sistema escolar.

Pode-se pensar que o comportamento �dif�cil� de Jo�o, exerce alguma fun��o neste sistema e pode estar sendo alimentado pelos comportamentos dos outros que est�o em rela��o com ele, numa clara rela��o circular. Mesmo assim, Jo�o est� sendo rotulado como uma crian�a problema que possui caracter�sticas negativas a priori.

As seguintes frases foram ditas pelas pessoas que interagem com Jo�o: �o Jo�o. vai fugir�; �O Jo�o me bateu, ele bate sempre�; �Prof. o Jo�o vai matar os meus bichinhos?�; �Foi o Jo�o�; �prof. olha o Jo�o�; �Jo�o � um menino agressivo�; �Jo�o � do mal�; �Jo�o s� se identifica com coisas do mal� �Onde est� o Jo�o ?�

As narrativas acima e as observa��es feitas tornaram imprescind�vel o trabalho na sala de aula, como o objetivo de resignificar estas narrativas criadas acerca de Jo�o e os pap�is cristalizados no grupo. A interven��o foi feita nos diferentes sistemas de rela��o de �Jo�o� (fam�lia, colegas, professores).

Para realizar este trabalho buscou-se a fundamenta��o na teoria sist�mica e suas diversas abordagens, assim como na teoria S�cio-Hist�rica de Vygotsky. Al�m desses autores buscamos apoio em muitos outros (Coll,1999; Cunha & Yazlle,2002; Fern�ndes,1994; De La Taille,2002) para entender o desenvolvimento infantil e o trabalho realizado pela Psicologia Escolar.

Desenvolvimento S�cio-hist�rico e Teoria Sist�mica

A teoria hist�rico-cultural de Vygotsky considera o sujeito aluno no seu meio social, contextualizando-o no tempo e lugar. O desenvolvimento � visto como um processo dial�tico que � propiciado nas atividades mediadas que o sujeito troca com o meio (os outros na rela��o). O paradigma sist�mico, p� sua vez, compreende o funcionamento e a din�mica dos sistemas humanos, seja ele uma fam�lia, uma empresa, uma sala de aula, ou uma escola (Caldeira de Andrada, 2005, no prelo).

Desenvolvimento �, portanto, um processo cont�nuo, dial�tico cultural e hist�rico que acontece em um determinado tempo e espa�o. Nesse processo a crian�a � vista como um sujeito ativo, produto e produtor de seu meio (Moura & Santos, 2002).

Segundo Rego (1995) Vygotsky atribui enorme import�ncia ao papel da intera��o social no desenvolvimento do ser humano por ser um processo socialmente constitu�do. A estrutura fisiol�gica humana (aquilo que � inato) n�o � suficiente para produzir o indiv�duo humano, na aus�ncia do ambiente social. Desde o nascimento, o beb� est� em constante intera��o com os adultos, que asseguram sua sobreviv�ncia e fazem a media��o entre o beb� e o mundo. � por interm�dio do adulto que a crian�a se apropria dos conhecimentos e cultura de seu povo, � tamb�m nas media��es que faz com seus pares que desenvolve as fun��es psicol�gicas superiores (pensamento abstrato, mem�ria, aten��o, etc.).

Pode-se dizer a partir de Vygotsky, que: �(...) a rela��o do ser humano com o meio � sempre uma rela��o ativa e transformadora� (Vygotsky apud COLL, 1999, p. 100). Trata-se de um processo ativo de ambas as partes (aluno/professor, aluno/aluno, aluno/fam�lia), onde n�o existe subordina��o, mas sim intera��o de um indiv�duo com outros indiv�duos. Significa dizer que o sujeito sempre est� em rela��o com os outros do seu meio social e que interage com esses outros sendo influenciado e influenciando o contexto do qual faz parte.

Para Vygotsky (1989) o aprendizado e o desenvolvimento est�o inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da crian�a. Desse ponto de vista aprendizado n�o � desenvolvimento, por�m o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e p�e em movimento v�rios processos de desenvolvimento que, de outra forma seriam imposs�veis de acontecer. �O aprendizado humano pressup�e uma natureza social espec�fica e um processo atrav�s do qual as crian�as penetram na vida intelectual daquelas que as cercam� (Vygotsky, 1989, p.99).

� importante destacar que �A crian�a constr�i sua compreens�o pessoal do mundo dentro dos limites fornecidos pela sociedade (gera��es anteriores), por�m indo, quase sempre al�m dos mesmos.� (Moura & Santos, 2002, p. 91)

Essa abordagem tem se apresentado como uma perspectiva para se pensar o papel das intera��es sociais no contexto escolar e familiar do qual a crian�a faz parte. O ser humano mesmo com pr�-disposi��es da esp�cie, se faz nas rela��es que estabelece com o meio e com os outros, sendo que ao mesmo tempo em que ele � constru�do, tamb�m age construindo e modificando seus pares e o meio em que vive.

Assim, podemos pensar que as dificuldades encontradas em um determinado contexto (aluno agressivo, por exemplo), devem ser entendidas como um sintoma que se formou e que se alimenta das rela��es que esse aluno mant�m com o seu meio (dentro de um sistema relacional).

O pensamento sist�mico est� baseado na cibern�tica, na teoria geral dos sistemas e na teoria da comunica��o humana. O enfoque linear, tipo causa e efeito foi substitu�do pelo enfoque circular, que � baseado na reciprocidade dos fatores causais. O conceito da retroalimenta��o, da teoria sist�mica que nos diz que cada produto de um sistema � um novo aporte a esse sistema que pode modificar e transformar esse sistema. A retroalimanta��o positiva, predisp�e a mudan�as e a retroalimenta��o negativa busca a homeostasia do sistema (Caldeira de Andrada, 2003; Os�rio, 2002).

De acordo com Grandesso (2000) o primeiro per�odo da cibern�tica, se ocupavam dos mecanismos e processos pelos quais os sistemas, funcionavam com a finalidade de manter a sua organiza��o. O sistema de acordo com essa concep��o operava com o objetivo de manter a sua sobreviv�ncia, controlando os dist�rbios e impedindo a sua mudan�a, mantendo assim a sua organiza��o. O objetivo do sistema era ent�o corrigir os desvios para poder se manter est�vel e sobreviver. Esse processo � conhecido como retroalimenta��o negativa, onde um sistema sobrevive mantendo a sua const�ncia apesar das mudan�as do meio.

Aplicada na pr�tica cl�nica, o conceito de feedback negativo, leva a id�ia de que o sintoma tem a fun��o de manter a homeostasia desse sistema. Assim observaram-se que os esfor�os psicoterap�uticos podiam ser frustrados pelos comportamentos dos outros membros da fam�lia, que ajudam a manter o sintoma. Ou � medida que o membro �problem�tico� fosse apresentando melhora, outros membros do sistema poderiam tornar-se perturbados. Isso sugeria que a fam�lia, a escola, a empresa, tem a tend�ncia a manter certa estabilidade e o sintoma existe para manter este status quo (Grandesso, 2000).

Na psicologia escolar pode-se usar esse conhecimento para entender os padr�es de rela��o no sistema escolar e familiar que podem estar mantendo e alimentando o sintoma (Caldeira de Andrada, 2005, no prelo).

Com o surgimento da Segunda cibern�tica, mudou-se o foco de trabalho e o sintoma passou a ter a fun��o de mostrar que algo n�o vai bem no sistema. O foco do trabalho psicoterap�utico sai do sintoma e vai para as rela��es estabelecidas naquele sistema. A pessoa que apresenta o sintoma � denominada de paciente referido (P.R.) e � vista como o membro do sistema que sinaliza que existe um problema nas rela��es estabelecidas naquele contexto. Assim o psic�logo escolar n�o olharia para um �nico membro da escola ou da fam�lia e diria que o problema est� somente com ele, mas sim que o �sintoma� perpassa por todos os membros do sistema (Groisman, 1991).

Desse modo, o paradigma sist�mico focaliza as rela��es e a comunica��o do sistema e a proposta que visa � mudan�a � trabalhar com todos os membros (na escola, � importante escutar os professores, dire��o, alunos e a fam�lia, para poder compreender a fun��o do sintoma dentro do sistema).

Entende-se assim que os membros de um sistema est�o em intera��o e que cada um tem fun��es a desempenhar. Existe uma interliga��o e uma interdepend�ncia entre os membros. Assim, os problemas na escola n�o s�o vistos como tendo uma �nica causa (causalidade linear), o �paciente identificado� deixa de ser o culpado pelos problemas apresentados e a responsabilidade pela manuten��o e at� surgimento do sintoma passa a ser de todos (Groisman, 1991).

O trabalho do Psic�logo Escolar deve partir da posi��o de �n�o saber�, visto que quem det�m o conhecimento do problema s�o as pessoas envolvidas neste sistema. O psic�logo deve se dirigir aos membros do sistema e interagir com eles objetivando conhecer a realidade apresentada. Partindo do conhecimento que os membros do sistema tem sobre o problema novas pr�ticas podem ser pensadas, a fim de levar a um resultado diferente do que obtiveram at� ent�o (Caldeira de Andrada, 2005, no prelo).

A Interven��o

Foram realizadas 14 observa��es, totalizando 40 horas de observa��o, onde se buscou estar com o grupo em v�rios per�odos e situa��es diferentes de sua vida escolar, tais como: na chegada, sa�da, hora das atividades dirigidas, no lanche, no parque, nas aulas de ingl�s, inform�tica, educa��o f�sica, em brincadeiras no parque, no bosque, em passeios, enfim participando como um todo das rela��es estabelecidas entre o grupo e com os professores. Partindo das observa��es e das narrativas criadas acerca da crian�a considerada �problema�, definiu-se a seguinte estrat�gia de interven��o:

Entre as atividades realizadas com as crian�as destacam-se: 1) atividades com almofadas: bater nas almofadas, empilhar e derrubar as almofadas, constru��o de uma casinha com almofadas onde foram dramatizados a hist�ria da mam�e cabrita e seus sete cabritinhos. 2) soltar os sapos: em c�rculo com os bra�os levantados, cada vez que as crian�as abaixavam os bra�os, soltavam a respira��o deixando sair um grito junto com a expira��o. 3) dramatiza��o dos medos: fazendo m�mica dos medos que cada um tinha, contando hist�rias e dramatizando a hora de dormir. 4) confec��o da caixa do grito: propiciando um lugar para as crian�as depositarem suas ansiedades e agressividade reprimida. Ap�s cada atividade havia o compartilhar dos sentimentos e das percep��es de cada viv�ncia.

Considera��es Finais

Agindo nos v�rios contextos de rela��o de Jo�o, foi poss�vel verificar significativas mudan�as nas narrativas sobre essa crian�a, considerada como problema, assim como nos pap�is desempenhados pelo grupo. Com os professores, por exemplo, a fragilidade e necessidades de auto-estima de �Jo�o� foram reveladas, assim as modifica��es no discurso sobre essa crian�a foram significativas:

�Na �ltima aula que tive com essa turma, Jo�o demonstrou medo para realizar uma atividade, isto nunca aconteceu antes�. (professor de educa��o f�sica).

�Eu j� vejo o Jo�o com outros olhos, eu j� consigo achar ele bonitinho e ele sente isso� (professora de ingl�s).

�Jo�o mudou bastante, agora a gente v� quanta coisa foi feito de errado� (professora da turma).

Com os colegas de Jo�o as interven��es foram eficazes pois proporcionaram ao grupo tamb�m expressar sua agressividade, assim como demonstrar seus medos. Com isso Jo�o p�de se perceber �igual� aos seus colegas que tamb�m possuem medos, agressividade e afeto. Uma fala da professora ao final da interven��o demonstra este ganho para a turma: �Os colegas n�o excluem Jo�o das brincadeiras, eles convidam Jo�o para brincar junto com eles� (professora da turma)

Por interm�dio da fam�lia pudemos conhecer um Jo�o diferente, um menino que usa chupeta, tem coberta de estima��o (cheiro), que tem medos (os professores no in�cio do trabalho relatavam que Jo�o como uma crian�a que n�o tinha medo de nada, que �adorava foguetes e s� se identificava com monstros e coisas do mal�). Foi poss�vel tamb�m entender como essa fam�lia se relaciona no contexto familiar e como se relaciona com a escola.

Assim, observando e intervindo nas v�rias rela��es que acontecem nos diferentes sistemas (escola e fam�lia), pudemos propiciar aos pais, professores e alunos novos olhares e novos modos de intera��o com Jo�o.

Para esta crian�a foi permitida a abertura para mostrar-se diferente, j� que os sujeitos que fazem parte das suas rela��es tamb�m modificaram seus modos de intera��o entre eles e com Jo�o, propiciando a modifica��o do sistema. A professora sentiu-se auxiliada no processo de integra��o de Jo�o e conseguiu elaborar novas estrat�gias de a��o com a turma, conjuntamente com a psic�loga estagi�ria. Os colegas de sala puderam tamb�m exercer sua agressividade adequadamente, sem machucar ningu�m, e Jo�o pode ter novos pap�is dentro do grupo.

Refer�ncias Bibliogr�ficas

C

Notas

1. Os nomes usados s�o fict�cios. Regresar al texto

2. Aquele que apresenta o sintoma (ver Os�rio, 2002). Regresar al texto





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