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Uma experiência de Arteterapia aplicada em na sala de espera de um Centro de Acolhimento para Refugiados

Maria Elisa Rizzi Cintra
Priscila Gimenez Simão Macul

Universidade São Marcos (Brasil)


RESUMO

Este relato pretende discorrer sobre a experiência de duas alunas do último ano do Curso de Psicologia da Universidade São Marcos como estagiárias no Programa de Acolhida para Refugiados Políticos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo em Convênio com o Alto comissariado das Nações Unidas – ACNUR. Foram seis meses de atuação na Implantação e desenvolvimento de vivências em arteterapia para os refugiados no ambiente da sala de espera da Agência Cáritas. A atividade mostrou-se eficaz e adequada como estratégia de ação do Projeto de Atendimento em Saúde Mental para Refugiados em São Paulo, o que pudemos verificar por meio de entrevistas com a equipe e relatos dos usuários. Assim, compartilhamos aqui os principais questionamentos e soluções encontradas.

Palavras Chave: Arteterapia, Refugiados e Sala de Espera.

ABSTRACT

This report intends to share the experience of two psychology students of the São Marcos University, working in the Welcome Shelter for refugees in São Paulo, a partnership of Cáritas Arquidiocesana de São Paulo and United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR). In six months of professional acting, we helped the team to develop a new kind of service, offer the users to experience ArtTherapy on the wating room of the Welcome Shelter. We could verify these activity effects by interviewing the professionals and the users, and find out that it’s a quite appropriate strategy to the Mental health Program for refugees in São Paulo.

Key Words: ArtTherapy, Refugees, Wating Room.


APRESENTAÇÃO

Este relato surge a partir da experiência de duas estagiárias do CIPS - Centro do Intervenção Psicossocial do Curso de Psicologia da Universidade São Marcos e tem como objetivo compartilhar algumas vivências e reflexões surgidas durante as atividades realizadas no Programa de Acolhida para Refugiados Políticos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo em Convênio com o Alto Comissariado das Nações Unidas – ACNUR.

Em resposta à solicitação da Secretaria Estadual da Saúde, foi montado em São Paulo um serviço de atendimento clínico e psicoterápico para a população de refugiados alocados em São Paulo. Assim, nos valemos de dados fornecidos pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, que vem realizando um trabalho de prevenção e promoção de saúde mental no Centro de Acolhimento para Refugiados Políticos da Cáritas, no que se refere à necessidade de um trabalho em saúde mental com esta população.

Segundo as observações da equipe da Agência Cáritas, quase todos os solicitantes de refúgio necessitavam de apoio psicológico e psiquiátrico, o que foi comprovado mediante a uma longa pesquisa, a partir da qual foram implantadas uma série de serviços em saúde mental.

Neste contexto atuamos durante seis meses na implantação e desenvolvimento de vivências em arteterapia para os refugiados no ambiente da sala de espera da Agência Cáritas.

Orientadas pela Dra. Carmem Santana, coordenadora do serviço de Saúde Mental da Agência e supervisionadas pela professora Ana Lúcia Gondim Bastos da Universidade, pudemos intervir de fato na realidade da instituição, proporcionado um espaço de convivência, criação e significação das experiências para a referida população. Tal fato gerou a implantação de outros serviços como ateliês de Arteterapia em grupo e diversas outras estratégias de atendimento, além de projetos futuros para atender as demandas que apareceram durante a atividade.

Sobre o Programa de Acolhimento e Atendimento a Refugiados Políticos.

O conceito de refugiado, nos termos do direito internacional se refere à:

... pessoas que, em virtude de um temor bem fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou defesa de determinadas opiniões políticas, estão fora do país de sua nacionalidade e não podem ou, por causa deste temor, não querem valer-se da proteção de seu país. É também considerado refugiado aquele que fugiu do seu país porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas por violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação dos direitos humanos ou outras circunstancias que tenham perturbado gravemente a ordem pública (ACNUR, 1996 in NETO & SANTANA, 2004).

Equipe:

Coordenador de Projetos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo
(Pe. Ubaldo)

Coordenador do Centro de Acolhimento para Refugiados em São Paulo.
(Cezira)

RECEPÇÃO

Instituições Envolvidas:

Caracterização das instituições envolvidas:

Cáritas Regional São Paulo

Em 1980, a Cáritas Brasileira realizou um encontro no Estado de São Paulo com 11 dioceses para discutir uma possível rearticulação de trabalho nessa região, após a fase do Programa de Distribuição de Alimentos. Na época, haviam apenas 3 entidades-membro reorganizadas e a Cáritas Diocesana de Mogi das Cruzes aceitou a missão de coordenar o processo de animação da ação da Cáritas no estado. Durante 9 anos, ela foi a referência de sede do Regional São Paulo. Em 1989, com o apoio das Cáritas Suíça e Francesa - Secours Catholique, compra a sua sede própria.

Atualmente essa Regional conta com 35 entidades-membro e apóia dezenas de projetos, sendo dois deles reconhecidos nacional e internacionalmente. Um deles é o Projeto de Defesa de 2.000 famílias remanescentes de Quilombos (Comunidades Quilombolas) no Vale do Ribeira - Diocese de Registro. Com o apoio da Regional, faz 10 anos que essas famílias resistem na área contra a construção de uma barragem pelo Grupo Votorantim. O outro é o Projeto da Associação dos Sem Terras da Zona Leste de São Paulo, que com sua organização já conseguiu construir mais de 8 mil habitações naquela Zona e também nos municípios da Região Leste.

Missão

Promover e animar o serviço da solidariedade ecumênica libertadora, participar da defesa da vida, da organização popular e da construção de um projeto de sociedade a partir dos excluídos e excluídas, contribuindo para a conquista da cidadania plena para todas as pessoas, a caminho do Reino de Deus

Linhas de Ação

Sobre o Alto Comissariado das Nações Unidas – ACNUR.

As Nações Unidas atribuíram ao ACNUR o mandato de conduzir e coordenar a ação internacional para proteção dos refugiados e procura de soluções para os problemas com eles relacionados.

A principal missão do ACNUR é procurar assegurar os direitos e o bem-estar dos refugiados. Deve empenhar-se em garantir que qualquer pessoa possa, em caso de necessidade, beneficiar-se do direito de asilo noutro país e possa, caso o deseje, regressar ao seu país de origem.

Ao prestar assistência aos refugiados no regresso ao seu país de origem ou na sua instalação num outro país, o ACNUR também deve procurar soluções duradouras para os problemas dessas pessoas.

O ACNUR conduz a sua ação de acordo com o seu Estatuto (anexo 1), guiando-se pela Convenção das Nações Unidas de 1951 Relativa aos Refugiados (anexo 2) e seu Protocolo de 1967 (anexo 3).

O direito internacional dos refugiados constitui o quadro normativo essencial das atividades humanitárias do ACNUR.

O Comitê Executivo do ACNUR e a Assembléia Geral das Nações Unidas autorizaram igualmente a Organização a intervir em benefício de outros grupos de pessoas. Nestes grupos incluem-se os apátridas, as pessoas cuja nacionalidade é controversa e, em certos casos, as pessoas deslocadas dentro do seu próprio país.

O ACNUR procura reduzir as situações de deslocação forçada encorajando os Estados e as outras instituições a criarem condições conducentes à proteção dos direitos humanos e à resolução pacífica das disputas.

Perseguindo esse mesmo objetivo, o ACNUR procura ativamente a consolidação da reintegração dos refugiados que regressam ao seu país de origem, procurando prevenir a recorrência de situação geradora de refúgios.

O ACNUR oferece proteção e assistência às pessoas sob o seu mandato de uma forma imparcial, com base nas suas necessidades e sem distinção de raça, sexo, religião ou opinião política. No quadro de todas as suas atividades, o ACNUR dá uma atenção especial às necessidades da criança, e procura promover a igualdade de direitos da mulher.

Nos seus esforços para proteger os refugiados e promover soluções para os seus problemas, o ACNUR colabora de modo estreito com governos, organizações regionais, internacionais e não governamentais.

A participação dos refugiados nas decisões que se refletem na sua vida é um princípio essencial da ação do ACNUR.

Na sua ação em benefício dos refugiados e pessoas deslocadas, o ACNUR promove igualmente os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas: manutenção da paz e segurança internacionais; desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; e encorajamento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.

Trabalho Humanitário e Ambiente

A grande maioria dos refugiados encontra-se em regiões pobres, em países em vias de desenvolvimento. As marcas deixadas ou o impacto ambiental por eles causado são muitas vezes de grande magnitude e de longo prazo. A procura por materiais para a construção de abrigos e de lenha podem levar ao desflorestamento e à erosão do solo. Os recursos naturais são ameaçados pela chegada súbita de grande quantidade de pessoas. Em casos extremos, situações como estas podem verificar-se num abrir e fechar de olhos.

Embora as preocupações ambientais estejam na cauda das prioridades em tempos de crise, a estreita relação entre o bem-estar das populações e um ambiente saudável é cada vez mais reconhecida.

No seu trabalho com as populações refugiadas e comunidades locais, o ACNUR e as organizações com que tem parcerias procuram minimizar os impactos ambientais das operações com refugiados. Soluções inovadoras e alternativas estão sendo desenvolvidas para que as populações refugiadas se tornem mais empenhadas na gestão e reabilitação do ambiente. Lições de grande valor são permanentemente assimiladas e aplicadas nas operações do ACNUR em todo o mundo.

Metas:

Estratégias:

A Cáritas Arquidiocesana de São Paulo criou como estratégia em 1994 o Centro de Acolhida para Refugiados Políticos, através do qual quem busca refugio em São Paulo é acolhido e encaminhado para os órgãos competentes, para que desta forma possa ser reconhecida a sua situação de refugiado, podendo então usufruir dos benefícios de programas de proteção, assistência e integração.

Proteção: o refugiado adquire o direito de ter supervisão e orientação jurídica, a fim de garantir que o Estado lhe proporcione um refúgio seguro e a cidadania.

Assistência: é considerada assistencial a ajuda de primeira necessidade, moradia, alimento, saúde, acompanhamento médico, educação, aprendizado do idioma.

Integração: inserção do refugiado no país, visando sua auto-suficiência. Incluí inserção no mundo de trabalho; revalidação de títulos de estudo; acesso ao ensino formal; cursos profissionalizantes; bolsas universitárias.

Para conseguir realizá-la o Programa passou a estabelecer parcerias com a Sociedade Civil.

Parceiros:

-Arsenal da Esperança - Em convênio com o Estado, a casa oferece abrigo para os refugiados recém chegados.

-Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas – Oferece atendimento psicológico e arteterapia.

-Comunidade BAHA-Í do Brasil – Apoio ao reassentamento interno dos refugiados em outras cidades.

-Comissão de Direitos Humanos da OAB – SP – Assistência jurídica na proteção aos direitos do refugiado, ajudando com a realização de entrevistas e cedendo advogados especialmente capacitados para a questão do refúgio.

-Universidades: FMU – auxilia a Cáritas na elaboração de relatórios de conjuntura social, econômica e política dos países s quais são originários os solicitantes de refúgio. UFMG, UNICAMP e UNESP – permite o acesso dos refugiados para a continuação dos estudos.

- Secretaria Especial dos Direitos Humanos – serviço de defesa e promoção dos direitos para a população referida.

-Instituto de Migrações de Direitos Humanos – em conjunto com a Cáritas formou um núcleo de atendimento aos solicitantes de refúgio e aos refugiados em Brasília.

-FIESP / SENAI / SESI / SESC – parceiros mais antigos desde 1994 oferecem cursos profissionalizantes, acesso a serviços sociais na área de educação, cultura, lazer, saúde, incluindo internet e biblioteca.

Quais os procedimentos para solicitação de refúgio?

Apresentar-se ao Departamento de Polícia Federal e explicar as razões que o levaram a deixar o país de origem

O Departamento de Polícia Federal emitirá o Termo de Declarações

Apresentar-se à Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, para receber orientações relativas a:

  1. Preenchimento de questionário de solicitação de refúgio
  2. Orientações do Serviço Social para encaminhamentos nas áreas de moradia, saúde, educação e utilização dos demais recursos da comunidade
  3. Entrevista com advogados do convênio Cáritas/ACNUR/OAB, para elaboração de parecer, que será enviado ao ACNUR e ao representante da Cáritas para utilização na análise do caso, quando de reunião do CONARE
  4. Entrevista com representante do CONARE
  5. Recebimento de autorização do CONARE para protocolo provisório
  6. Expedição de protocolo provisório pelo Departamento de Polícia Federal
  7. Expedição de carteira de trabalho provisória pela Delegacia Regional do Trabalho

O Projeto de Atendimento de Saúde Mental para Refugiados em São Paulo. (na época do estágio).

O Projeto comporta diversificadas formas de atendimento e tem como principal estratégia a Arteterapia: psicoterapia individual, psicoterapia em grupo, atividade de sala de espera, psicoterapia de apoio, psicodiagnósticos, tratamento psiquiátrico e atividades culturais. Os atendimentos são feitos àqueles que necessitarem: crianças, adolescentes, adultos e terceira idade.

Como vimos anteriormente, o Programa de Acolhida a Refugiados Políticos da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo / ACNUR, se orienta por metas como a integração do refugiado no novo ambiente e assistência à sua saúde. Como uma das estratégias para tal, se insere o Ateliê de Arteterapia, realizado graças à parceria com o Instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde o mesmo vem obtendo reconhecimento desde sua implantação em 1997.

Baseado nas diversas experiências com dinâmicas realizadas nos grupos focais considerou-se a arteterapia como um veículo possível no que se refere à abordagem psicoterápica dos refugiados:

-O ateliê terapêutico garante a possibilidade de expressão ao refugiado independentemente das barreiras do idioma, permitindo que elabore conteúdos emocionais traumáticos que venham a ser muito fortes para serem verbalizados.

-Cada participante reconhece muitas vezes fragmentos da antiga identidade, as dificuldades, as esperanças na produção realizada no ateliê, recortes da nova realidade e sonhos, clareando para si mesmo a sua maneira de pensar e sentir o mundo.

A arteterapia é uma proposta de psicoterapia que utiliza a arte como principal via de comunicação entre terapeuta e paciente. O paciente expressa-se pela arte e o arteterapeuta intervém no processo psicoterápico utilizando-se principalmente da própria linguagem artística. (Neto & Santana, 2004, p.185).

De acordo com os autores, apesar de a arte ter valor terapêutico, este não é a mesma coisa que arteterapia. A capacidade humana de perceber, dimensionar, figurar e redimensionar as relações de cada sujeito consigo mesmo e com o mundo que o rodeia, aparece tanto nos processos terapêuticos como na própria arte. Esta oferece uma realidade alternativa na qual o sujeito pode ser eximido das conseqüências impostas pelo cotidiano e que ao trabalhar literalmente com figuras, espaços, configurações, movimentos e elementos sonoros, acaba por facilitar estes processos.

A necessidade de diálogo sobre eventos extremamente dolorosos é freqüente nesta população, assim, na medida em que a arteterapia utiliza predominantemente a linguagem não-verbal abre para a possibilidade de construção e expressão simbólica facilitando o contato e a adaptação à nova realidade. A proposta se torna muito útil.

Ao ponto que esta construção ocorre na presença do terapeuta ela é dinâmica, e oferece alternativas de mudanças de respostas não adaptativas. De uma perspectiva terapêutica ainda, a arte assumiria o papel de espelho necessário para a formação da nova imagem de si mesmo.

A arte, além disso, tem uma importante função catártica. O ateliê neste sentido seria uma ferramenta para diminuir as tensões do dia – a – dia. Assim como no futuro por meio de comercialização dos produtos, o refugiado também poderia ter uma ajuda ou possivelmente se profissionalizar como artista.

No entanto a finalidade desta atividade não é conhecer a psique deste indivíduo, mas oferecer um espaço no qual ele possa refletir ativamente e apreender a lidar com a situação em que se encontra.

Atuação: Campo de prevenção e promoção em saúde mental.

O Esperarte.

Este nome nasceu de um diálogo entre nós duas, estagiárias, e a Coordenadora do projeto, e foi consenso batizar a atividade como tal.

A atividade consiste em proporcionar vivências em Arteterapia no ambiente de sala de espera da Agência Cáritas.

Objetivo:

Que o refugiado consiga abandonar a situação de isolamento decorrente do refúgio e resgatar uma identidade individual por meio da qual o refugiado possa continuar a se relacionar com o mundo de maneira saudável.

Para tal oferecemos material plástico para as pessoas que se encontram no referido ambiente, para que possam realizar seus trabalhos. Sempre usando como estratégia de ação as próprias vivências em Arteterapia. Os materiais e espaço deverão propiciar condições para ampliar as formas de expressão para trabalho e são oferecidos de acordo com os pressupostos da arteterapia e disponibilidade do local.

NOSSO PERCURSO

O caminho foi bem difícil, foram muitos meses de buscas e desencontros. Por conta do interesse pela arte-educação, uma de nós procurou buscar relações com a área mesmo no hospital, e encontrou, mas não deram certo. Até que entrou em contato com uma psiquiatra do HC/USP, a Dra. Carmen Santana. Ela desenvolvia ateliês de Arteterapia na Internação da Psiquiatria e na sala de espera do mesmo hospital. Infelizmente, na época os ateliês estavam sendo fechados. Porém, ela também desenvolvia um outro projeto num Centro de Acolhimento para Refugiados, cuja nova fase estava para ser implantada, o Programa de Atendimento em Saúde Mental para Refugiados em São Paulo. Veio o convite para fazermos o estágio lá, nesta ocasião é que o quinteto se separou, as outras três meninas continuaram a busca, enquanto nós aceitamos o convite.

Passamos então a fazer reuniões semanais com a Dra. Carmen. Nestas reuniões ela nos dava formação em psicoterapia e Arteterapia e passava material a respeito da Instituição. Foi então que ficou decido que atuaríamos em uma das atividades do novo projeto: as vivências de Arteterapia em ambiente de sala de espera.

Tivemos nosso primeiro contato com a Instituição em uma reunião com uma das Assistentes Sociais do Projeto, a Heloísa. Ela nos descreveu o funcionamento e forneceu os principais dados e o histórico da Cáritas.

As atividades já estavam prestes a começar, o serviço já havia funcionado anteriormente e ficara um ano parado. Entramos nas atividades junto a implantação do novo projeto.

Assim no dia 14 de janeiro de 2005, fomos para a nossa primeira atuação no lugar. A intenção era que ficássemos no ambiente de sala de espera apenas observando, para conhecer o lugar. Foi o que fizemos num primeiro momento. Porém, um rapaz que estava sentando próximo começou a conversar conosco e nos interrogar. Naquele dia, destoávamos claramente do cenário que abrigava apenas jovens rapazes negros, que falavam um idioma desconhecido para nós.

O fato de um deles ter conversado com agente, dispertou uma diversidade de emoções, inclusive a ira de uns contra os outros. Assim, nossa primeira vivência foi bastante intensa, observamos e participamos de um ambiente bastante intranqüilo, nos parecendo hostil e agressivo, mas cheio de conteúdos psicossociais que vieram à tona como luta pelo direito à identidade racial, cultural e de gênero, entre outras.

Não só as pessoas, mas o próprio espaço físico nos chamou atenção. Desde a entrada do prédio percebemos um ambiente descuidado, escuro, nada convidativo ou acolhedor. A sala de espera não fugiu disto, cercada por câmeras de segurança. E as duas portas de entrada, uma de cada lado, são grandes e de ferro pesado, sendo que só uma delas é que tem uma pequena janela de acrílico onde os serviços podem ser solicitados. Após este dia pudemos refletir muito e reconsiderar aspectos do trabalho a ser desenvolvido extra-muros da faculdade.

O que marcou, foi o fato de o ambiente de sala de espera não propiciar nenhum tipo de proteção, ligados a representações ou papéis socias. Ou seja, estávamos lidando com a situação real, não importando para alguns ali se éramos estudantes de psicologia ou não. O que nos fez pensar muito em questões sobre como poderíamos ocupar nosso espaço de estagiárias, pois naquele primeiro dia, não de fato nos posicionamos como tal.

Seria com um avental ou um crachá de identificação a melhor saída? Seria fazer uma pesquisa de opinião para ficarmos conhecidas e dar mais subsídio para a atividade que seria realizada? Definitivamente não era esta a saída, queríamos nos aproximar das pessoas e proporcionar um espaço de expressão artística. Foi consenso que algo do gênero apenas nos afastaria.

Algumas sextas-feiras depois iniciamos a atividade. Levamos o material plástico já arrumado num carrinho para a sala de espera e montamos duas mesas com algumas cadeiras em volta para que as pessoas pudessem se sentar e se expressar. Fomos convidando cada uma das pessoas individualmente e aos poucos a pessoas foram aceitando. Por fim, a atividade foi bem sucedida.

A partir daí passamos a realizar a atividade todas as sextas-feiras no período da tarde.

Conforme as necessidades iam aparecendo íamos buscando materiais diferentes ou um maior número de mesas e cadeiras, tentando entender o que acontecia naquele ambiente e quem estava aberto para atividade ou quem não estava, observando os limites de cada um.

Um queria falar sobre sua história e ser compreendido na sua dor, outro queria apenas que o escutássemos, um outro ainda queria apenas que nós víssemos o seu desenho. Mais adiante uma outra pessoa fazia questão de conversar sobre a atividade e ajudar os outros que desenvolviam seu trabalho sem precisar se expor. O ambiente assim foi se transformando, comportando novas pessoas, móveis e cores todas as sextas.

A atividade no geral correu de forma muito tranqüila e a receptividade foi muito boa. Apesar de no início perceber expressões de curiosidade e estranhamento, achamos que isto devia-se ao espaço físico onde foi oferecida e não ao material, pois todos que se aproximavam tinham certa intimidade com os materiais.

Um fato interessante é que a maioria precisou ser convidada a participar individualmente, mas não todos, algumas vezes as pessoas se aproximavam espontaneamente para solicitar material. A linguagem plástica é muito convidativa e expressiva. Um outro dado é a questão da aproximação dos refugiados. No começo, se aproximavam sempre fazendo a pergunta: “De que país você é?” ou “Você é brasileira?”. Perguntar o que estamos fazendo ali e o que a Cáritas oferece também foi frequentemente usado como meio para estabelecer um diálogo.

A atividade foi muito bem recebida pelas pessoas que freqüentam a sala de espera. Mesmo os que não participavam não pareciam incomodados com esta presença, apenas curiosos. Muitos se mostram inseguros no começo, dizendo não saber desenhar, que não servem para isso. Outros já pedem aulas de pintura e desenho e perguntam se podemos ensiná-los. Sempre respondemos que sim, apesar de não ser uma aula, podemos ajudá-los a mexer com o material.

Aliviando num primeiro momento a ansiedade dos freqüentadores, as vivências também abrigam pessoas que vão toda semana e estão entrando num outro processo, mostram e conversam sobre os desenhos, querem ver os da semana anterior.

O ambiente muda claramente. As pessoas parecem se sentar mais confortavelmente, e não fica quase ninguém de pé na frente da porta (nos primeiros dias em que íamos lá, ou em horários em que a atividade não está acontecendo, as pessoas se amontoam frente à janelinha de vidro para serem atendidas). O local fica mais ativo, no entanto mais tranqüilo. Tanto que o momento que temos que recolher o material é bastante delicado, pois mesmo as pessoas que não estão trabalhando plasticamente, se apropriam das mesas e cadeiras. Além disso, algumas delas ainda não finalizaram a produção. O procedimento nesses casos é oferecer a possibilidade da pessoa levar o desenho consigo, ou então deixá-lo conosco e revê-lo na semana seguinte.

Assim a proposta foi se desenvolvendo. Porém, em dado momento no meio do semestre estávamos incomodadas a respeito da dinâmica da atividade em si. Às vezes ficávamos um pouco perdidas, no como e quando deveríamos intervir com alguém que está pintando, desenhando ou que demonstra vontade de fazê-lo. Como abordar a questão artística, quando pedem uma aula, ou dizem que não sabem e que não servem para isso? Pois, mesmo a experiência que uma de nós tem na área é voltada para a Educação, não para a Psicologia.

Colocamos a questão na supervisão e a atividade tomou outro sentido e vitalidade. Pudemos atuar com maior segurança e vontade.

A atividade artística passou a ser compreendida como forma de simbolização, expressão e as possibilidades terapêuticas disto. Voltamos a ter um campo de prioridade no trabalho, que é a questão da intervenção num sentido amplo na instituição. Notamos que depois que se está dentro é muito fácil ser envolvido pelas questões cotidianas e quase se perder. Passamos a ter mais cuidado maior com isto, para não nos apropriarmos de um discurso que não é nosso.

Foi muito importante ver o quanto e como as pessoas se identificaram com a atividade, e como os profissionais da própria instituição valorizaram o trabalho e agradeceram. A certa altura todos os funcionários nos reconheciam e convidavam para momentos sociais que aconteciam algumas vezes. Sem contar que solicitaram treinamentos e cursos de formação para ampliação deste tipo de atividade para outras comunidades.

É muito interessante vivenciar pelo menos dois lados de um mesmo trabalho, estar na sala de espera como os refugiados e não ser funcionário. Ficávamos no início com a mesma cara de perdida que estavam os refugiados que tinham pedidos a fazer, e até sentimos de vez em quando a angústia de receber diversas solicitações das pessoas que ali estão aguardando seus documentos e serviços. E sem saber como e para quem encaminhá-los, coisa que parece acontecer em alguns casos com os funcionários também.

Além disso, poder oferecer um espaço onde qualquer pessoa pode experimentar um outro caminho de expressão e quem sabe até reflexão sobre si mesmo e o que o rodeia, é muito gratificante.

Por fim, vale relatar aqui as mudanças de público que enfrentamos durante este percurso. Como foi dito a cima, quando entramos na Instituição, o público atendido era em sua maioria de jovens rapazes negros.

Ao longo do semestre começaram a chegar muitas famílias, com pai, mãe e filhos, de origem latina, língua espanhola e cor branca. Eles vinham principalmente da Colômbia, Peru Bolívia e Uruguai. Esta nova demanda trouxe muitas transformações para o trabalho, que teve que acolher uma outra dinâmica de funcionamento.

Diante das experiências obtidas concluímos que seria melhor preparar um espaço específico para as crianças, com brinquedos e material de desenho. Assim foi feito. Depois de muito negociar com a instituição conseguiu-se uma sala que não estava sendo utilizada e montou-se um canto de brinquedos e logo as crianças se apropriaram do espaço.

Além da arrumação da nova sala e planejamento para novos tipos de atendimento para este público, fizemos também panfletos de divulgação da atividade e kits de desenho “boas vindas”, que consiste em um caderno, lápis preto, lápis de cor, giz de cera, apontador borracha e um folder explicativo.

Para finalizar nosso estágio aproveitamos para ajudar a Dra. Carmen, nossa Coordenadora no local, a fazer entrevistas de avaliação da atividade com os membros da equipe de funcionários. Além disso, organizamos a montagem de uma exposição com abertura marcada para coincidir com o dia Mundial do Refugiado (20/06).

NOSSA CONTRIBUIÇÃO E APRENDIZADO

Este estágio nos proporcionou um aprendizado que consideramos fundamental pra uma boa formação em Psicologia: a escuta. Conseguimos muitas vezes ouvir o que eles tinham a dizer por meio de um desenho, uma poesia, de palavras e gestos. Perdemos a ansiedade de querer responder, ou dar uma solução, e perdemos também uma sensação que tínhamos no início, a de que se não disséssemos nada, não estaríamos intervindo. Porém, descobrimos na prática o que é ouvir, a importância deste exercício, e como a expressão, através da Arte, pode servir como catalisador para isto acontecer.

Enxergar e aos poucos se apropriar do termo “Significado” não é fácil, mas após muitos meses de atividade, finalmente este elemento constituinte da atividade pode ser compreendido por nós, através da expressão concreta ou simbólica das pessoas que puderam dar novos significados e sentidos para sua situação.

As pessoas consideradas refugiadas, na maior parte das vezes, chegam ao novo destino, após a fuga de seu país de origem, como vítima de grande violência, ou pelo menos do temor que estas situações causam. Além disso, estão involuntariamente num ambiente que, quase sempre é totalmente desconhecido, e muitas vezes se sentem inseguras e desconfiadas, longe de suas referências originárias, como cidade, família, amigos, trabalho e atividades, entre outros.

Com a chegada em uma nova sociedade, esta população se defronta com uma série de dificuldades como o idioma, diferenças culturais, econômicas, étnicas, discriminações religiosas, perda das relações sociais, separações familiares, perdas de papéis sociais valiosos, identidades e posições ocupacionais.

Não é difícil imaginar que a psicodinâmica dessas pessoas também seja afetada de alguma forma. Não de modo generalizado, mas levando em conta e respeitando condições e características de cada indivíduo. Diante desta situação, são necessárias abordagens preventivas e terapêuticas específicas em todas as áreas da saúde.

A psicoterapia Junguiana, a nós apresentada pela Dra. Carmen, tem pressupostos que a nosso ver facilitam e significam os processos psíquicos, respeitando as origens de cada um e ao mesmo tempo do ser humano como espécie, coisa que consideramos de fundamental importância, ainda mais quando se propõe um trabalho com pessoas de origens tão variadas.

Para Jung (2002) psicoterapia é um campo da terapêutica, no qual temos dois agentes: psicoterapeuta e paciente, cada pessoa é um sistema psíquico que, atuando sobre outra pessoa entra em interação com outro sistema psíquico, é um diálogo ou discussão entre duas pessoas, por isso dialético.

O terapeuta não é mais um sujeito ativo, mas ele vivencia junto um processo evolutivo individual. (Jung, 2002, p.5).

Este modo de ver a psicoterapia vem, dentre outras coisas, da necessidade de se admitir que é possível reconhecer os dados da experiência de diferentes maneiras.

Ao longo dos anos, desenvolveram-se diversas escolas e métodos baseados em pressupostos psicológicos especiais, que produzem resultados específicos, dificilmente comparáveis entre si. Entretanto, a existência dos múltiplos enfoques psicológicos possíveis não deve ser pretexto para considerarmos insuperáveis as contradições. Afinal, as contradições válidas põem em evidência as dificuldades que o objeto de investigação coloca à inteligência do pesquisador, por isso, ao menos por enquanto as afirmações que se podem fazer são válidas somente quando for indicado a que sistema psíquico o objeto da indagação se refere, sendo assim relativa.

Temos, portanto, uma formulação dialética, ou seja, a interação psíquica nada mais é do que uma relação de troca, de onde deriva uma nova síntese. A individualidade do sistema é infinitamente variável, assim como, é o resultado de uma variabilidade infinita de afirmações de realidade relativa. Contudo, se individualidade fosse singularidade, se todos os indivíduos fossem completamente diferentes entre si, a psicologia seria impossível enquanto ciência, mas como a própria individualidade é relativa, além das diferenças, existem semelhanças entre os homens, às afirmações de validade universal, que servem ao que Jung (2002) chama de homem genérico.

Interessou-nos muito este referencial teórico com os refugiados, afinal, as diferenças individuais, incluindo aí essencialmente as diferenças individuais de cada cultura, além da de cada indivíduo, é algo presente nesse grupo de pessoas. Entretanto a forma de aproximação e psicodiagnóstico há de ser feita através daquilo que é comum a todos, levando sem dúvida em consideração as diferenças individuais, por isso tão importante é a formulação dialética.

Consequentemente, as afirmações, por parte do terapeuta, só podem ser sobre as partes do sistema psíquico que podem ser comparadas. Assim se o psicoterapeuta tiver a pretensão de saber algo da individualidade do paciente e fizer afirmações válidas a seu respeito, estará demonstrando falta de espírito crítico, pois não estará reconhecendo que não possui condições de julgar a totalidade da pessoa que está à sua frente.

As virtudes e os talentos são distinções essencialmente individuais, não são características do homem genérico. A parte individual é única, imprevisível e não interpretável. O terapeuta deve renunciar neste caso a todos os seus pressupostos e técnicas, limitando-se a um processo puramente dialético, isto é, evitar todos os métodos. Já o homem genérico tem características primitivas, razão porque têm que ser empregados métodos técnicos em seu tratamento.

Assim, a exigência da analise para o próprio analista tem em vista o método dialético, ele está ali não só para perguntar, mas também para responder. Ele não é o mais perito, mas é alguém que vivência junto, se encontra em pé de igualdade com aquele que ainda é considerado paciente.

Para Jung (2002) cura significa transformação. No caso de um paciente que se mostra exclusivamente coletivo, que funciona como homem genérico, este pode mudar através da sugestão, de tal forma que pode aparentar ser diferente do que era antes. Contudo, se for individual, só pode tornar-se o que é e o que sempre foi. Neste caso o processo terapêutico não acarretará nenhuma transformação da personalidade, mas será um processo chamado de individuação, que implica no paciente se tornar aquilo que de fato é.

Neste processo evolutivo individual, o inconsciente passa a ocupar o primeiro plano, daí a necessidade de se observarem as idéias e sugestões dos sonhos, pois são elas que tomarão o lugar dos reguladores coletivos anteriores, o saber, a maneira de ver tradicional, os costumes, os preconceitos de natureza intelectual e moral.

Consideramos que o trabalho com esta população específica de refugiados esteve o tempo todo transpassado por estas questões e diálogos entre o individual e o coletivo, como o que pertence a cada identidade, como construir uma nova identidade cultural e coletiva, o que pertence a cada cultura, suas tradições e valores, assim como ser aquilo que é universal ao ser humano. Mas quais os limites? Como lidar com as representações sociais? Onde elas se encontram? Onde se divergem do país de refugio? São muitas as possibilidades de trabalho.

Ao final da atividade notamos que a expressão pela arte proporcionou a construção deste ambiente.

Interviemos de fato na instituição modificando o ambiente, proporcionando um ambiente onde as pessoas puderam sentir-se acolhidas e falar de seus medos, alegrias e tristezas, sem que tivessem uma obrigação para tal, um script, um começo ou um fim. Eles puderam muitas vezes exercer a criatividade e a espontaneidade. É possível que os integrantes de um grupo estabeleçam entre si uma relação de identificação e confiança.

Com a narração de histórias pessoais e da colaboração entre os integrantes do grupo, as histórias são expressas. O homem entende sua existência no encontro com o outro. Este cenário prima pelo modo como são transmitidas e captadas as experiências afetivas, enriquecendo a vivência pessoal da experiência relacional do aqui e agora. Colabora também na percepção e na compreensão da arte como expressões de valores de uma civilização.

A utilização da Arteterapia como estratégia possibilita o desenvolvimento de reflexões críticas em relação ao que está sendo vivido. O indivíduo ao usar sua espontaneidade, aprende a se colocar como membro do grupo social e se desenvolve, definindo seus próprios papeis.

A narrativa existente num diálogo libertador como este que descrevemos é bem diferente da que Freire(1987) chama de “bancária”. Esta teoria vista em aulas da faculdade e na própria supervisão critica educadores que usam a narração de conteúdos programáticos de forma a petrificá-los. Neste movimento, a narração implica em sujeito, narrador e ouvintes como objetos passivos. A realidade fica parada, compartimentada, e aquilo que é transmitido muitas vezes, é algo completamente alheio às experiências dos educandos.

Nessas dissertações as palavras se esvaziam de seus significados, se tornam apenas som, transformam-se em palavras ocas e perdem sua ação transformadora.

A narração na qual apenas o narrador é o sujeito leva os educandos a memorização mecânica do conteúdo. Os educandos se tornam recipientes a serem “enchidos” pelo educador. A educação nesta concepção vira um ato de depositar, o educador faz “comunicados”, mas não se comunica. E faz depósitos cujos educandos recebem pacientemente, memorizam e repetem. O educador doa seu “saber” aqueles que nada sabem. Nesta concepção, a qual o autor identifica como “bancária”, não há transformação, portanto não há verdadeiro saber.

Segundo Freire (1987):

Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também (p.58).

Claro que no caso não nos pretendemos educadores, mas usamos este conhecimento para não utilizarmos o fato de ter certa autoridade sobre a atividade, para reprimi-los, intimidá-los. Ou o que seria pior, não respeitar seus limites e acabar podando a possibilidade de criação e significação que uma pessoa pode ter ao realizar uma atividade como esta, oprimindo a espontaneidade e a criatividade dificultando sua compreensão a respeito de si mesmo e do seu grupo.

A Arteterapia neste contexto vem justamente propor uma postura libertária, dando abertura para um diálogo, proporcionando um trabalho de ser mais1. O diálogo permite experiências enriquecedoras através do desempenho de papéis e dos elementos de interação social que constituem esta experiência.

Para Freire (1987) uma educação libertária implica uma visão dos homens como seres conscientes, e na consciência intencionada ao mundo, não apenas um depósito de conteúdos, mas uma problematização dos homens em suas relações com o mundo.

Uma educação problematizadora exige a superação das contradições da relação educador / educando, ou seja, de uma relação como a que se tem na concepção “bancária”, na qual não há diálogo. Uma educação para a liberdade supera esta contradição e se concebe na dialogicidade, a qual o educador se torna educador-educando e o educando se torna educando-educador.

Como diz Freire (1987):

Ambos assim se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem. Em que para referir-se, funcionalmente, autoridade, se necessita estar sendo com as liberdades e não contra elas (p.68).

Mesmo entrando em contato com diversas culturas, diferentes concepções estéticas e sendo convidado a refletir sobre isto, o refugiado na sala de espera tem poucas oportunidades para se expressar com espontaneidade e propriedade, se submetendo a regras, conflitando seu poder criativo com uma conserva que lhe é imposta. Através da atividade proposta esse homem criador e espontâneo poderá usar esse potencial para transformar e recriar junto com o Psicólogo.

Citando freire (1987):

Não há diálogo, porém se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronuncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda (p.79).

Através da arte, a pessoa coloca a sua marca pessoal na sociedade; assim ela terá a oportunidade de se mostrar, de expressar e de atuar no mundo.

Em uma das nossas últimas idas assim que começamos a montar o ateliê, uma senhora que estava esperando, tirou da bolsa umas letras de música que encontrou na internet e começou a cantá-las em alto e bom som, logo outras pessoas se juntaram a ela e cantaram também, com muita alegria, em seguida colocamos um aparelho de som, onde elas puderam ouvir as músicas de um CD que uma delas tinha levado e puderam dançar. Inclusive membros da equipe saíram de suas salas e foram dançar também por um tempo.

Neste ambiente algumas pessoas começaram a conversar e puderam se conhecer melhor, se ajudar em suas necessidades, como por exemplo, mulheres que sentadas na mesma mesa acabaram se tornando amigas e colaborando com os cuidados do filho de uma ou de outra, convidando para ir até suas casa, para passeios, etc. Um outro caso foi o de um rapaz da Etiópia que era o único do pa[is até então, quando chegou um outro rapaz que começou a desenhar uma bandeira do mesmo país e os dois se reconheceram e estão amigos.

Diferente dos primeiros meses, a atividade tem total aceitação da equipe, o recepcionista da Cáritas que faz os primeiros encaminhamentos, que antes nem mesmo olhava para o lado de fora, a sala de espera, e que quase nunca estava em frente a porta quando precisávamos entrar pra a buscar algum material a mais (tanto que no começo até desistíamos), hoje fica a maior parte do tempo assistindo a atividade, está sempre atento e pronto a nos ajudar e de vez em quando até deixa aporta aberta pra facilitar.

Pensando na diversidade de elementos que compões a trama do projeto, achamos que seria interessante falar um pouco de Dos pensamentos de Morin (2000), material estudado durante o curso de Psicologia na aula de Psicologia da Educação e para nós faz muito sentido neste contexto.

O autor coloca que existem sete saberes fundamentais que devem ser tratados na educação daqui pra frente, sendo em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias de cada uma delas.

O primeiro deles ele denomina como: As cegueiras do conhecimento o erro e a ilusão, neste item são explicitados e confrontados diversos tipos de cegueiras e mecanismos ilusórios que podem desviar a humanidade das verdades do conhecimento, fazendo parte destas as cegueiras paradigmáticas. Um paradigma efetua a seleção e determina a conceptualização e as operações lógicas. Designa categorias fundamentais daquilo que é inteligível e opera o controle de seu emprego. Assim sendo, os indivíduos conhecem, pensam e agem de acordo com paradigmas inscritos culturalmente neles.

A questão é que para a realização de certas coisas alguns destes paradigmas têm que ser rompidos, no caso se no Projeto ainda vigorasse um paradigma, por exemplo, vigente na Grécia antiga, no qual os diferentes eram postos à margem da sociedade de forma brusca, ou seja, pessoas eram feitas escravas, um trabalho de inclusão social como vimos seria inconcebível. Outros conceitos que Morin coloco são o "Imprinting" proposto por Konrad Lorenz para dar conta da marca permanente imposta pelas primeiras experiências do animal recém nascido. O 'imprinting" cultural nos marca desde o nascimento, primeiro com o elo da cultura familiar; depois da cultura da escola, pela universidade e na vida profissional. E a normalização - forma de estandartização das consciências - é um processo social (conformismo) que elimina o poder da pessoa humana de contestar o "imprinting". Coisa que serve como barreira para qualquer tipo de intervenção no sentido de inovar vivências e atitudes..

Outro saber que identificamos como sendo de extrema importância para a atividade profissional do Centro De Acolhimento para Refugiados é o conhecimento da condição humana, o autor aponta O ser humano como estando a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Unidade complexa esta que é totalmente desintegrada na educação nas disciplinas, tornado-se impossível aprender o que significa ser humano. É necessário restaurá-la, para que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, de sua identidade complexa e da sua identidade comum a todos os outros humanos. Conhecer o humano é, antes de tudo, situá-lo no universo, ao invés de separa-lo dele. Contextualizar seu objeto para ser pertinente; "quem somos?" É inseparável de "onde estamos", "de onde viemos', ”para onde vamos?”. Interrogar nossa condição humana implica questionar nossa posição no mundo, o que é fundamental. Promover a consolidação dos conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humanas”.

Este é um movimento que percebemos muito sutilmente durante a observação e conversas lá. É necessária a construção de um plano de desenvolvimento a ser traçado em conjunto com os refugiados, no diálogo com os profissionais de acordo com seus interesses e possibilidades, sem esconder ou camuflar as diferenças condição da população atendida, porque neste trabalho precisamos estar cuidados a respeito do que é ser humano.

Finalização do Estágio

Ao término do estágio concluímos que a atividade atingiu o objetivo, muitos refugiados conseguiram, pelo menos naquele momento de criação, abandonar a situação de isolamento decorrente do refúgio. O espaço propiciou condições para ampliar as formas de expressão e resgatar uma identidade individual por meio da qual o refugiado possa continuar a se relacionar com o mundo de maneira saudável.

Em relação à equipe da Cáritas, vimos que a intervenção está acontecendo, mas de fora para dentro. Talvez pelo fato de atuarmos primeiramente do lado de fora. A parte da equipe que está mais próxima da atividade aprova e quer que seja mantida e ampliada, no entanto a os responsáveis no Centro, que talvez sejam os que têm tido menos contato direto com a atividade. Notamos que a relação da equipe com o público também se transformou. Hoje ambos tanto os usuários como a equipe profissional podem dialogar com mais calma durante o tempo em que a atividade se desenrola.

- O que você acha da atividade que é realizada na sala de espera?

“Eu acho ótimo! É importante tanto para a equipe quanto para quem está lá fora! Os dois lados se beneficiam antes o pessoal lá fora ficava muito agitado, agora ficam mais calmos... Ter um espaço para se expressar é bom para todo mundo... Com este espaço eles devem se sentir com mais direitos dentro do país” (Núcleo de Administração).

“Excelente, o ambiente é outro, mudou muito. Fala para Carmen que ela está de parabéns! Mudou muito e aliviou. Nós comentamos sobre isso aqui dentro, que a mudança para melhor é visível, muito mais tranqüilo.... Tira a tensão, sabe?” (Núcleo de Comunicação).

“Foi uma boa. O pessoal melhorou bastante, ficou mais clamo, a grande maioria fica bem entretida, e não faz pressão... Antes não era assim. Eles são muito de fazer pressão” (Recepção).

“Eu acho fantástico, a gente deveria participar mais. Esta atividade trás humanização para o trabalho. Lá na sala de espera, podemos enxergar melhor as pessoas, aqui dentro os papéis de poder são muito bem definidos. Dá vontade de ficar lá desenhando... Acho que é fundamental para eles e para nós. Aqui comigo, eles tem que lembrar o lado ruim, o porquê de lês estarem aqui. Com vocês eles podem lembrar do lado bom. Humaniza a nós e a eles esta atividade terapêutica. O ambiente acaba sendo transformado. Permitindo a expressão trás vida. As cores do trabalho chamam atenção. Eu acho que é muito importante, você vê que muitos deles quando acabam o atendimento e poderiam ir pra casa ou ir fazer qualquer outra coisa, ficam e desenham. Eles mostraram a prioridade, com é bom. A única coisa ruim é que às vezes não dá pra nós acompanharmos” (Núcleo de Proteção).

- A atividade deve ser mantida?

“Acho que deve ser mantida por estes motivos e por motivos de outras pessoas que podem não ser os meus. Se fosse possível seria bom ampliar. Sobre ficar com as crianças também, é muito bom, as mães me vem falar que foi uma ótima idéia, as crianças ficam mais tranqüilas. É bom ter um espaço para brincar” (Núcleo de Administração).

“Claro! E com certeza deve ser ampliado”. (núcleo de Comunicação)

“Poderia fazer mais dias. Acrescentar pelo menos um dia, eu acho uma boa! Deve ser mantida e ampliada, foi uma boa iniciativa, foi muito útil” (Recepção).

“Todo dia, toda hora, é algo fundamental! Parabéns!”. (Núcleo de Proteção).

- Você sabe exatamente do que se trata a atividade e quem somos nós?

“Não”. (Núcleo de Comunicação).

“Mais ou menos, sei como funciona a atividade” (Recepção).

“Exatamente, não” (Núcleo de Proteção).

BIBLIOGRAFIA





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