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Uma Leitura Sociodramática Sobre o Processo Saúde - Doença no Trabalho na Contemporaneidade

 

Psicóloga, Psicodramatista, Pós-Doutorada em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública – USP Professora e supervisora de estágio do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da Universidade Estadual Paulista – Unesp/Assis/SP

Assis - São Paulo - Brasil

 

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre a influência das novas formas de trabalho no processo saúde-doença dos trabalhadores, a partir do referencial teórico sociodramático descrito por Jacob Levy Moreno. Com base nessa vertente analisamos alguns pontos que podem produzir efeitos desfavoráveis à saúde no trabalho e finalizamos apontando a importância do método sociodramático no contexto organizacional como forma de promoção da saúde dos trabalhadores.

Palavras-chave: Sociodrama, Saúde no Trabalho, Relações Humanas

 

Resumen

El objetivo de este trabajo es discutir la influencia de nuevas formas de trabajo en la salud-enfermedad de los trabajadores a partir del marco teórico sociodramático de Jacob Levy Moreno. Con base en esta teoría se analizan algunos puntos que pueden producir efectos adversos a la salud en el trabajo y finalizamos insistiendo en la importancia del método sociodramático en el contexto organizacional como un medio de promover la salud de los trabajadores.

Palabras claves: Papel, Salud en el Trabajo, Relaciones Humanas

 

Abstract

The goal of this article is to speculate on the influences of new working methods in the health-disease workers process, from the sociodramatic theoretical referential described by Jacob Levy Moreno. Based on it, we analyzed some topics that can produce adverse effects to the health at the working environment and we concluded pointing out the importance of the sociodramatic method in the organizational context as a way of promoting the workers’ health.

Keywords: Sociodrama, Health in the Working environment, Human relationship. 


I. Introdução. O Processo Saúde – Doença no Trabalho: Algumas Considerações

A Saúde do Trabalhador é definida como “um conjunto de atividades que se destina a prevenir e proteger o trabalhador dos riscos de doenças próprias de ambientes de trabalho, bem como recuperar sua saúde quando submetida a qualquer agravo ocasionado pelo trabalho, mediante o estabelecimento de normas de saúde e segurança.” (Lima, 2003, p. 159)

O Ministério da Saúde (2001) concebe o campo da Saúde no Trabalho como sendo uma área da Saúde Pública, “que tem como objeto de estudo e intervenção as relações entre trabalho e saúde”. E engloba sob o conceito de trabalhador “todos os homens e mulheres que exercem atividades para o sustento próprio e/ou de seus dependentes, qualquer que seja sua forma de inserção no mercado de trabalho, nos setores formais ou informais da economia” (Ministério da Saúde, 2001, p. 17).

Os agravos à saúde do trabalhador correspondem aos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Os determinantes desses agravos são complexos e compreendem vários aspectos decorrentes de condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida e pelos fatores de risco ocupacionais.

Partimos, portanto, de reflexões que reconhecem que o papel do trabalho na determinação e evolução do processo saúde - doença dos trabalhadores tem articulação entre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, tais como: reestruturação produtiva, adoção de novos métodos gerenciais, implementação de novas tecnologias, terceirização, automação e precarização das relações de trabalho, entre outras, e o aumento dos agravos à saúde dos trabalhadores.

Isso ocorre, sobretudo porque, a partir da década de setenta do Século XX, o Capitalismo pós-guerra passou a ser substituído pela então denominada “nova ordem mundial” que, mediada pela globalização da economia e pela transnacionalização das estruturas de poder, exerceram seus efeitos sobre a reestruturação do trabalho.

Segundo Guimarães & Goulart (2002), nos países de desenvolvimento tardio, como o Brasil, aabsorção da globalização e a transação para o novo Capitalismo vêm ocorrendo à custa de muitosofrimento porque,a globalização trouxe consigo a reestruturação mundial do Capitalismo e o novo paradigma de produção industrial. A consolidação da política neoliberal determinou ajustes estruturais na economia e na flexibilização do trabalho; o sistema de produção em massa, em crise desde a década de 1960, foi rapidamente substituído pela chamada produção racional” (Guimarães & Goulart, 2002, p.20).

Novas formas de gestão foram então se constituindo, baseadas nos princípios de qualidade total, adaptabilidade, polivalência da mão-de-obra e flexibilização produtiva, juntamente com a necessidade de criar mecanismos de enxugamento baseados em estratégias de redução de pessoal, elevação das jornadas de trabalho e pagamento por mérito, entre outros.

Estudos nessa área têm apontado que as novas formas de condições e organização do trabalho contemporâneas possuem fatores que interferem nos processos de saúde e bem-estar orgânico e social dos trabalhadores.

No que tange às condições de trabalho, é reconhecida a influência dos múltiplos componentes - relativos às condições físicas, químicas e biológicas - nocivos ao organismo humano, dentre os quais se desatacam as alterações neurológicas e psicossociais determinadas pelas intoxicações por metais pesados como o mercúrio, o chumbo inorgânico e o manganês, entre outros.

A propósito das condições de trabalho, não se pode omitira influência da organização temporal do trabalho em turnos e noturnos assim como seu impacto no bem-estar físico, mental e psicossocial dos trabalhadores, conforme descrito por (Fischer et al., 2003). Os desdobramentos patogênicos da organização do trabalho são destacados por Seligmann-Silva (2003) como fonte preponderante dos agravos psíquicos relacionados as atividades laborativas.

Dentre os principais aspetos da organização do trabalho nocivos à saúde dos trabalhadores destacam-se: “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que dele se deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidades, etc” (Dejours, 1992, p. 25).

Diante dessas concepções, “verificamos a existência de uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos e sociais relevantes para a compreensão daquilo que seja a história humana, os quais não deixam dúvidas quanto ao fato de que a saúde e o adoecimento, o viver e o morrer dos indivíduos estão diretamente relacionados a questões que ultrapassam análises de sua causalidade e multicausalidade” (Mendes, 2002, p. 33).

Neste artigo, pretendemos tecer algumas reflexões sobre alguns fatores subjacentes às condições e à organização do trabalho, tomando como referência a Teoria Sociodramática, descrita por Jacob Levy Moreno, nas primeiras décadas do século XX.

A escolha desse referencial teórico como norteador para nossas reflexões justifica-se, principalmente, porque essa vertente “se ocupa dos modos de relação do homem consigo mesmo e dos modos de inter-relação com os demais (e das dificuldades dessas relações e inter-relações) ele se propõe como um caminho para o desvelamento desses entraves e permite intervir neles para sua solução (Menegazzo et al., 1995, p. 168).

Assumir uma perspectiva de análise do processo saúde-doença no trabalho, a partir da visão sociodramática, pressupõe retomarmos os pilares da teoria moreniana descritos nos seus principais conceitos: espontaneidade - criatividade, tele e papel.

Conforme Moreno, o ser humano, ao nascer, traz consigo os recursos inatos -espontaneidade e criatividade - que são favoráveis ao seu desenvolvimento. Entretanto, os conteúdos engendrados pelos artefatos mecânicos e pela maquinaria tecnológica reduzem esses fatores.

Na vida adulta, quando o indivíduo adentra no mundo do trabalho, vemos que esses fatores ficam ainda mais comprometidos quando o ambiente no o mesmo realiza suas atividades laborais possui uma organização rígida baseada em princípios de padronização, sem espaço para o exercício da criatividade.

Nessa perspectiva, ao iniciarmos a busca por uma explicação sociodramática sobre as determinações do contexto do trabalho à saúde, devemos tomar como referência a concepção de Moreno de que, num sistema psicodinâmico fechado, não há lugar para a espontaneidade e que, quando “não se estimula a espontaneidade, vamos diretamente à enfermidade psíquica e sociológica, porque a ansiedade provém e se acentua pela sua falta” (Martín, p. 146).

O conceito de tele foi descrito por Moreno para explicar a relação entre pessoas, como um elemento de ligação entre elas “que se origina e se desenvolve na matriz de identidade, sendo presente, recíproco, saudável, terapêutico, e possibilitado de coesão grupal. Trata-se de uma estimativa intuitiva que uma pessoa faz da outra, de uma percepção correta e integradora da realidade, da percepção interna e mútua dos indivíduos. Desta forma constitui-se no cimento que mantém as relações e no fundamento de todas as relações interpessoais sadias” (Vecina, 2005, p. 85).

No contexto laboral, tal fator pode ser deformado em decorrência dos modos de funcionamento da organização de trabalho, sobretudo nas situações permeadas por relações de poder.

O conceito de papel descrito por Moreno foi adquirindo conotações sociológicas à medida que o conteúdo do conceito evidenciou que, “homem não pode viver só, vivendo com os demais tem que se adaptar a certas normas de convivência” (Martín, 1984, p. 212). Assim sendo, “o papel é um conceito nitidamente sociológico quando estudado em si mesmo, e nitidamente psicossociológico quando se estuda a influência da sociedade na conduta do indivíduo” (Martín, p. 214).

Quando nos voltamos para a situação de trabalho, deparamo-nos com o indivíduo no seu papel de trabalhador que busca uma identidade no exercício de suas atividades laborativas, mas que se vê obrigado a atuar com normas e maneiras de agir impostos pelo sistema capitalista de produção, tendo que adotar e interiorizar papéis prescritos por esse sistema. Daí vemos a transformação do homem/trabalhador em objeto de desejo das forças produtivas, “coisificado” e “cristalizado”, com seu psiquismo invadido e sua subjetividade desrespeitada.

Na seqüência, apresentaremos tópicos de reflexão com o intuito de auxiliar na compreensão da relação capital-trabalho no adoecimento dos trabalhadores.

 

II. Anulação da Espontaneidade e Criatividade Como Fonte Geradora de Adoecimento no Trabalho.

O elemento central da reestruturação do trabalho é a assimilação de novas tecnologias por parte das empresas. E, mesmo sendo o homem o construtor dos novos artefatos mecânicos, ele se encontra incapaz e frágil para competir com a maquinaria tecnológica. E então nos deparamos com as duas formas contrastantes de robô descritas por Moreno (1978, p. 94): “uma como auxiliar do homem e construtora de sua civilização; a outra, uma ameaça à sua sobrevivência e destruidora do homem”.

Nessa posição antagônica, enquanto uma forma de robô é favorável ao progresso tecnológico e defende a dominância das forças produtivas, a outra por sua vez, subordina os trabalhadores por meio do modo civilizatório das formas de trabalhar.

O avanço tecnológico no mundo do trabalho criou formas estereotipadas de se trabalhar. Por meio da repetição, criam-se os seres robotizados, desapropriados da liberdade de invenção. Isso ocorre basicamente porque, à medida que o trabalhador vai sendo moldado às novas conservas tecnológicas, ele aprende modos de condutas estandartizados e assim, passa a utilizar menos sua espontaneidade e sua atividade intelectual e cognitiva. Conseqüentemente, temos um mundo do trabalho enfermo de criatividade, visto que a informatização e a automação estão invadindo os processos laborativos, sufocando a espontaneidade da população trabalhadora.

Do ponto de vista sociodramático, a repetição faz o homem anular sua natureza criativa e perder seu caráter espontâneo “as conservas sufocam a espontaneidade e este esgotamento de espontaneidade produz a doença psíquica” (Martín, 1984, p. 124).

O risco do adoecimento “está nos robôs culturais que aniquilam a criatividade do homem, e sabemos que esta criatividade é impulsionada pela espontaneidade” (Martín, p. 129).

A coletividade trabalhadora precisa ser liberada desses excessos patológicos produzidos na própria cultura organizacional ou, pelo menos, esses novos modelos de administração devem ser controlados.

 

III. Determinantes dos Comprometimentos dos Relacionamentos Interpessoais Nos Locais de Trabalho e seus Efeitos à Saúde dos Trabalhadores

Tanto as condições como a organização do trabalho, possuem aspectos que podem comprometer os relacionamentos interpessoais nos locais de trabalho produzindo danos à saúde dos trabalhadores.

No que diz respeito aos aspectos das condições do trabalho, tomemos como exemplo os apontamentos de Seligmann-Silva (2003), sobre as conseqüências das perdas auditivas provocadas por ruído e comprometimento nos relacionamentos nos locais de trabalho.

Segundo essa autora, as perdas auditivas relacionadas ao exercício laboral afetam a comunicação e “prejudicam os relacionamentos interpessoais, os desempenhos e a proteção ante riscos de acidentes - como nos casos em que orientações e avisos não são escutados (Seligmann-Silva, p. 1143). Ressalta ainda que as perdas auditivas provocadas pelas condições de trabalho “resultam em perda da auto-estima, insegurança e frustrações que convergem para que se estabeleça isolamento social” (Seligmann-Silva, p. 1143). Sendo que, em muitos casos, a dor psíquica, venha a ser mascarada pelo uso de bebidas alcoólicas.

Sobre essa situação, a referida autora salienta que, na procura por consulta médica por parte de pacientes acometidos por perdas auditivas, sobressaem às queixas físicas em detrimento das psíquicas relacionadas aos ma - entendidos e conflitos interpessoais decorrentes das dificuldades de comunicação produzidos pela perda de audição. A autora entende que essa forma de apresentação do adoecimento reside no fato de que a grande maioria da população trabalhadora concilia o médico aos cuidados do corpo e, assim sendo, apenas as informações sobre a dimensão orgânica são apresentadas; desse modo, segundo a mesma, o psiquismo fica ocultado pelo corpo visível.

Outras conseqüências negativas provocadas pelas condições de trabalho, tal como a perda das capacidades de memória, percepção e atenção (ocasionada pelos agravos à saúde determinados pelos metais pesados) pode causar conflitos interpessoais nos ambientes ocupacionais. Os atritos, nessas situações, podem surgir diante de críticas e depreciação aos trabalhadores, por esquecimentos e falhas no seu desempenho.

Também, do ponto de vista da organização do trabalho, encontram-se vários aspectos que contribuem para a emergência de conflitos nos relacionamentos interpessoais nos locais onde a lida é exercida.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que, com a globalização, os princípios de qualidade e produtividade passaram a ser exigidos em escala global e novas regras de competitividade foram instituídas, sendo que desses princípios passou a depender a sobrevivência das organizações no mercado mundial. Em segundo, torna-se necessário acrescentar que os modos de funcionamento da organização do trabalho da maioria das empresas baseiam-se em estruturas administrativas que seguem os princípios do Taylorismo e Fordismo.

Se, por um lado, o Taylorismo prescreve os princípios da organização racional do trabalho por meio da individualização, da divisão dos modos operatórios, dos ritmos intensos ditados pela capacidade física dos trabalhadores, pela produtividade individual - entre outros por outro lado, expropria sua subjetividade.

O Fordismo, por sua vez, ao designar a organização mecânica do trabalho, com ritmos impostos, fixação dos trabalhadores nos postos de trabalho, automação flexível, entre outros, caracterizou a imposição de uma “subjetividade interativa”.

Ambos modelos de administração consolidam a busca por ganhos de produtividade e competitividade cada vez mais intensivos, o que engendra nos trabalhadores mais pontos de divisão que de união. Para (Seligmann-Silva, p. 1147) “o estímulo à competição, ao mesmo tempo que incrementa a desconfiança, dilacera a sociabilidade”.

A competição, como forma de aumentar o lucro, cria novos dispositivos de capitalização dos trabalhadores, de modo que suas forças e capacidades passam a ser controladas com o objetivo de garantir a rentabilidade.

Os estímulos à competição individualizada prescrevem a cada indivíduo o papel diferenciador e, a partir dessa diferenciação, o homem-competitivo passa a ser dominado pelo estado de ansiedade, seus atos deixam de ter sentido e sua espontaneidade é empregada inadequadamente.

A individualização “apaga as iniciativas espontâneas, porque ela quebra as responsabilidades e o saber, porque ela anula as defesas coletivas, a individualização conduz, paradoxalmente, a uma diferenciação do sofrimento de um trabalhador e de outro” (Dejours, 1992, p. 40).

O ambiente competitivo pressiona, assedia, constrange, gera medo. A exposição pública dos resultados da produção individual revela o primeiro lugar no cumprimento das metas nos diferentes ramos de atividade desde o trabalho rural, sobretudo no corte -de- cana, até as centrais de telemarketing.

Ser o primeiro do ônibus na lavoura de cana, ser o campeão de vendas no call center, isso traz ganhos econômicos traduzidos nas mais variadas formas de comissões, recompensas, mas ao mesmo tempo, são os trabalhadores premiados que adoecem com mais freqüência.

Isso ocorre à medida que há o investimento político do corpo ligado a “relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o corpo se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso” (Foucault, 1991, p. 28).

A violência ideológica da competitividade cria um contexto predisponente à sujeição, pois o poder nela exercido desvela uma rede de relações de reconhecimento no grupo que se aprofundam na sociedade.

Ao mesmo tempo que a competição pode se constituir em fonte de orgulho, fortalecendo a auto-imagem do trabalhador, revela-se também fonte de sobrecarga mental e física, colaborando para o adoecimento. Além disso, quando as imposições competitivas são feitas de forma humilhante, os vínculos psico-afetivos são prejudicados e as relações interpessoais tornam-se conflituosas e geram, dessa forma, o ambiente favorável aos riscos à saúde.

No plano jurídico, já são reconhecidos os danos morais que ocorrem no denominado “assédio moral”. Esses danos são de natureza da violência psicológica dos quais são vítimas muitos trabalhadores e que resultam no mal – estar produzido, evidentemente, pelas conotações negativas dos relacionamentos humanos.

Segundo Lima et al. (2002, p. 240), os “conflitos presentes nos relacionamentos interpessoais, especialmente aqueles que ocorrem entre subordinados e chefes, também emergem como fonte de tensão e sofrimento”.

A organização do trabalho assim constituída fragiliza os vínculos interpessoais e traz repercussões significativas na subjetividade dos trabalhadores, apresentando ressonâncias potencialmente desgastantes nos sentimentos das pessoas, traduzidas em raiva, medo, apatia, , vergonha, tristeza, entre outros.

 

IV - A Influência dos Aspectos das Condições e da Organização do Trabalho no Desempenho de Papéis

A sofisticação tecnológica condiciona o aumento da racionalidade e, conseqüentemente, interfere na dinâmica psicossocial, isolando a afetividade.

De acordo com Gondim & Siqueira (2004, p. 229), as literaturas que tratam de condições de trabalho versus bem-estar do trabalhador e as que tratam de saúde mental no trabalho, ”têm apontado relações significativas de ambigüidade e conflito entre papéis organizacionais com reações afetivas - satisfação no trabalho, tensão/ansiedade, comprometimento e envolvimento, entre padrões de comportamento das chefias e irritação dos subordinados, bem como processos de privatização, satisfação e bem-estar dos empregados“.

A padronização das emoções construída com base nas teorias organizacionais descritas por Goleman (1995); Weisinger (1997), denominadas pelas expressões “Inteligência Emocional”, “Inteligência Intrapessoal”, “Inteligência Interpessoal”, condicionam a autenticidade dos sentimentos dos trabalhadores. Pois, conforme apontado por Gondim & Siqueira (2004), à medida que esses passam a vivenciar tão profundamente a emoção relacionada ao papel profissional, confundem seus verdadeiros sentimentos.

Segundo esses autores, “é fácil observar o crescente número de profissões que estão exigindo uma forma padronizada de expressão de emoções. Os comissários de bordo e atendentes, por exemplo, têm de estar sempre sorrindo e transmitindo felicidade, independentemente de a vivenciarem no momento. Uma funcionária de teleatendimento que ouve desaforos de um cliente insatisfeito e continua repetindo pausadamente uma frase de distanciamento afetivo ‘O senhor deseja mais alguma informação? A empresa agradece a sua ligação’ é outro exemplo disso” (Gondim & Siqueira, 2004, p. 233).

Os exemplos citados acima denunciam a opressão oficial que esses modelos exercem sobre os trabalhadores, com dispositivos que capturam a espontaneidade nas interações de trabalho devido à artificialização dos sentimentos na exteriorização das emoções.

Devido às circunstâncias impositivas, o conflito é estabelecido pela imposição de papéis, o que colabora para o adoecimento. O trabalhador não desempenha o papel por ele desejado, e sim o papel que lhe foi engendrado, isso pode torna-se patológico porque lhe criam um papel simpático de uma pessoa equilibrada e, assim sendo, o mesmo passa a se comportar da maneira que os demais esperam dele.

Entretanto, observa-se que a maneira como a organização do trabalho está constituída traz repercussões na esfera social não somente nos papéis profissionais, mas também nos diversos papéis sociais desempenhados pelos trabalhadores.

Fischer (2003), ao descrever acerca da distribuição temporal do trabalho, aponta para os problemas sociais vividos pelos trabalhadores que exercem sua função, particularmente nos turnos noturnos. Segundo a autora, dependendo do esquema de turnos, os trabalhadores “podem enfrentar dificuldades de convivência com os familiares e amigos, além da relativa possibilidade de participar de cursos ou outros compromissos regulares, caminhando para o isolamento social” (Fischer et al., p. 37).

Ela descreve ainda que “diversos aspectos da vida socio-familiar podem facilitar ou dificultar seu dia-a-dia, atuando, portanto, como fatores importantes no processo de tolerância ao regime de trabalho” (Fischer et al., 2003, p.37). E, sobre isso, ressalta que a rede de sociabilidade possui características que tanto podem sobrecarregar o trabalhador como contribuir para que o mesmo lide melhor com o trabalho em turno. Nesse sentido, concebe que “os papéis sociais assumidos pelos trabalhadores, seja em casa - como cônjuge, pai/mãe, filho/a ou parente - seja fora do ambiente familiar, onde assumem papéis em relação aos amigos, clubes e atividade religiosas, entre outras, podem atuar como fatores importantes no processo de tolerância ao regime de trabalho.

Sociodramaticamente, o papel indevidamente assumido pelo indivíduo o faz adoecer porque ”a sociedade nos impõe a aceitação de funções vitais que não desejamos cumprir, criando um estado de permanente frustração, ou porque desempenhamos o papel que escolhemos, porém não como o desejaríamos desempenhar” (Martín, 1984, p. 235)

V - Considerações Gerais

Procuramos, neste artigo, apresentar algumas concepções sobre a complexa rede de fatores que podem desencadear o adoecimento no trabalho, assinalando alguns aspectos relativos ao mau funcionamento das condições e da organização do trabalho como determinantes de riscos à saúde da população trabalhadora.

Moreno (1978) lançou o seguinte questionamento: Como é possível um artefato mecânico tornar-se perigoso para o homem, seu criador?

Se considerarmos que o mundo do trabalho, mediante seus avanços tecnológicos, produz cada vez mais artefatos mecânicos, podemos dizer que ele tem se tornado fonte de perigo à saúde sobretudo, porque o trabalho representa para a vida das pessoas garantia de subsistência, posição social, investimento afetivo e, portanto, qualquer ameaça à integridade física e/ou psíquica pode tornar-se fonte de sofrimento, colaborando para a emergência de agravos à saúde.

Entretanto, os fatores subjacentes às diferenças individuais devem ser considerados, pois “a maneira pela qual o psiquismo de cada um irá interagir com o trabalho e com os demais decorre da personalidade e da experiência singular e, ao mesmo tempo, das ‘regras’ e tradições do coletivo, que passam a fazer parte da vida mental e das ações de cada integrante do mesmo” (Seligmann-Silva, 2003, p. 1159).

Sob a ótica sociodramática, é possível concordamos com essa autora no sentido de que - “a coesão, resultante da construção coletiva de laços a de confiança e solidariedade, possui grande significado na proteção à saúde mental“ (Seligmann-Silva, p. 1159). Ressaltamos, no entanto, que a coesão grupal é proporcionada pela inter-relação afetiva dos indivíduos no grupo.

Moreno (1978), ao descrever a Metodologia Sociodramática, fez da espontaneidade o eixo de sua teoria e de sua terapia e pressupôs que o mundo “deve estar aberto à criatividade constante e que o homem deve ser o seu criador“ (Martín, p. 125).

Quando olhamos o mundo do trabalho sociodramaticamente, deparamo-nos com espontaneidade aprisionada pelos valores impostos pelas novas formas de relação de trabalho, o que nos possibilita “decretar“ que o dano à saúde existe em função de um contexto predisponente.

Neste universo, o trabalhador incapaz de dissolver os resíduos das conservas culturais que lhe são impostas e impedido de comportar-se de forma criadora e espontânea, passa a servir-se de modelos estereotipados, que ao se acumularem, tornam-se insuportáveis, fazendo emergir desse contexto o sofrimento, a frustração e o adoecimento.

O mundo do trabalho, na forma como está organizado, tem impedido um relacionamento sadio entre os trabalhadores. Se pensarmos que a maior parte de sua vida o trabalhador passa trabalhando, sentir-se solitário, neste ambiente, resulta em vivências negativas, o que pode justificar muitos casos de adoecimento.

Diante das conceituações e reflexões apresentadas neste artigo, finalizamos nosso parecer sobre o processo saúde-doença no trabalho ressaltando que a causa do adoecimento, neste contexto, se deve ao colapso da espontaneidade. Como a coesão grupal se alicerça na atração mútua dos indivíduos, a divisão do trabalho prejudica o status sociométrico do grupo devido ao isolamento e provoca a carência do fator tele, visto que o trabalho individualizado dificulta ao sujeito perceber estes dois aspectos: percepção de atração e rejeição.

No mundo do trabalho, o indivíduo se encontra moldado pelas conservas da maquinaria tecnológica e, no papel de trabalhador, ele, adoece por falta de espaço para o desenvolvimento de sua espontaneidade criadora. E, assim sendo, a saúde no trabalho está, portanto, associada às demais formas de saúde: da espontaneidade, do grupo e a do desempenho de papéis.

 Se analisarmos o lugar da intervenção sociodramática na prevenção e na promoção da saúde no trabalho, consideramos que ela trará contribuições significativas à medida que sua prática se direcionar para criação de espaços para o desenvolvimento da espontaneidade e o cultivo da integração dos relacionamentos humanos que permeiam o cotidiano de trabalho.

O Sociodrama é um procedimento dramático específico, baseado nos conceitos dos papéis e da antropologia vincular. Por meio dele “é possível intervir na vincularidade dos grupos naturais espontaneamente formados (casais, famílias, grupos de convivência, comunidades, etc.) ou na vincularidade de grupos instrumentais (grupos de trabalho, grupos de aprendizagem, grupos de produção, equipes institucionais)” (Menegazzo et al., 1995, p. 197).

Ainda, segundo estes autores, ”o Sociodrama trabalha apenas com papéis sociais, sem remexer na fantasmática íntima” (Menegazzo et al., 1995, p. 175). Sendo assim, consideram que este é o procedimento ideal para se trabalhar com diagnóstico e prevenção institucional.

Acreditamos que, por meio desse procedimento, é possível indicar, especificamente, os papéis que interagem no desenvolvimento das atividades comuns do grupo, permitindo a visualização dos conflitos presentes bem como a emergência da compreensão dos participantes para resolução dos mesmos.

Além disso, por meio das atividades sociodramáticas, é possível esclarecer “as relações intergrupais, os valores que funcionam como critérios coletivos e também as ideologias compartilhadas” (Menegazzo et al., 1995, p. 198).

“Por tudo isso, é um procedimento muito útil, porque permite a investigação psicológica dos papéis sociais dos grupos ou instituições envolvidos, diferenciando-os e deixando uma margem de privacidade aos papéis” (Menegazzo et al., 1995, p. 198).

Pelas suas características de apreensão da realidade, a abordagem sociodramática enquadra-se na metodologia qualitativa, pois sua prática é capaz ”de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas” (Minayo, 1999, p. 10).

A vertente metodológica qualitativa parte do pressuposto de que a realidade da vida cotidiana é socialmente construída e, sendo assim, entendemos que - por meio da atividade sociodramática - será possível desvelarmos o cotidiano de trabalho e também compreendermos sua importância na construção da subjetividade dos trabalhadores.

Ainda, por meio do sociodrama, poderão ser evidenciados o comportamento e as idéias construídas no grupo, a posição dos indivíduos no mesmo, os mecanismos de rejeição e de atração entre as pessoas envolvidas, os conflitos existentes nas relações interpessoais e a determinação desses aspectos sobre o processo saúde-doença no trabalho.

Dessa forma, entendemos que a aplicação do sociodrama no contexto do trabalho poderá guiar os trabalhadores para suas escolhas espontâneas, integrá-los a uma convivência grupal construtiva e criadora e libertá-los das manifestações da espontaneidade patológica.

Ao trazer essas reflexões, não tivemos, evidentemente, qualquer intenção de esgotar o assunto; nosso intuito é, apenas, despertar a atenção dos profissionais que atuam na prática sociodramática para essas questões que permeiam o mundo do trabalho, por considerar que essa teoria possui o campo de produções sobre o processo saúde-doença no trabalho bastante limitado embora possua recursos valiosos para promoção da saúde da população trabalhadora que merecem ser explorados.

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ISSN: 1870 - 350X

Psicología para América Latina está incorporada como revista en La BVS-ULAPSI (Biblioteca Virtual de la Unión de Entidades de Psicología), el portal de Revistas de Psicología-PEPSIC. La BVS cuenta con la participación de BIREME (Centro Latinoamericano y del Caribe de Información en Ciencias de la Salud) con participación de la OPS - (Organización Panamericana de la Salud) quien ofrece su metodología y Scientific Electronic Library On line (SciELO), como modelo de publicación electrónica de revistas.

Proyecto patrocinado por AMAPSI (Asociación Mexicana de Alternativas en Psicología)

Diseño y actualización: emotional.com.mx