Análise Fatorial da Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT)

Factorial Analysis of Work Stress Vulnerability Scale (EVENT)

 

Fermino Fernandes Sisto (1)
Makilim Nunes Baptista (2)
Acácia Aparecida Angeli dos Santos (3)
Ana Paula Porto Noronha (4)

(1) Doutor pela Universidad Complutense de Madrid, Livre – docente pela Unicamp e professor do curso de Psicologia e do Programa Pós-graduação em Psicologia, da Universidade São Francisco, Itatiba-SP. Pesquisador do Laboratório de Avaliação em Psicologia Educacional (LAPE). Bolsista produtividade do CNPq.

(2) Psicólogo, doutor em ciências pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Professor do curso de Psicologia e do Programa Pós-graduação em Psicologia, da Universidade São Francisco, Itatiba-SP. Pesquisador do Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental (LAPSAM). Bolsista produtividade do CNPq.

(3) Psicóloga, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP-SP. Professora do curso de Psicologia e do Programa Pós-graduação em Psicologia, da Universidade São Francisco, Itatiba-SP. Pesquisadora do Laboratório de Avaliação em Psicologia Educacional (LAPE). Bolsista produtividade do CNPq.

(4) Psicóloga, doutora em Psicologia: Ciência e Profissão pela PUC-Campinas. Professora do curso de Psicologia e do Programa Pós-graduação em Psicologia, da Universidade São Francisco, Itatiba-SP. Pesquisadora do Laboratório de Avaliação em Psicologia Educacional (LAPE). Bolsista produtividade do CNPq.

 

 

Análise Fatorial da Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT)

Resumo

Esse artigo teve como objetivo a construção de uma escala de vulnerabilidade ao estresse, denominada EVENT, desenvolvido em duas etapas com amostras respectivas de 388 e 948 trabalhadores universitários ma busca de evidências de validade de construto. Em ambas etapas os fatores foram bem definidos, com pouca migração de itens e qualidade psicométrica adequada aos padrões internacionais, tanto nos valores de comunalidades e distribuição dos itens, quanto nos de fidedignidade. A escala final ficou composta de 40 itens e três fatores, a saber: Clima e Funcionamento Organizacional (16 itens); Pressão no Trabalho (13 itens) e Infra-Estrutura e Rotina (11 itens). Os índices de confiabilidade variaram de 0,77 a 0,91. Espera-se que a EVENT seja uma escala que possa auxiliar profissionais ligados à área organizacional a detectarem funcionários, bem como equipes e áreas de atuação com maior vulnerabilidade ao estresse.

Palavras-Chave: Avaliação psicológica; Psicometria; Validade

 

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo la construcción de una escala de vulnerabilidad al estrés, llamada EVENT, desarrollada en dos etapas con muestras de 388 y 948 trabajadores universitarios respectivamente, como una forma de buscar evidencias de validez de constructo. En las dos etapas los factores fueron bien definidos, con poco traslado de ítems y calidad psicométrica adecuada para los padrones internacionales, tanto en los valores de comunalidad y distribución de los ítems como en los valores de confiabilidad. La escala fue compuesta por 40 ítems y tres factores, cuales sean: Clima y Funcionamiento Organizacional (16 ítems); Presión en el Trabajo (13 ítems) e Infra Estructura y Rutina (11 ítems). Los índices de confiabilidad variaron de 0,77 a 0,91. Se espera que la EVENT sea una escala que pueda ayudar a profesionales relacionados al área organizacional a detectar funcionarios, así como también equipos y áreas de actuación con una mayor vulnerabilidad al estrés.

Palavras-chave: Evaluación psicológica; Psicometría; Validad

 

Factorial Analysis of Work Stress Vulnerability Scale (EVENT)

Abstract

This paper aimed the construction of a work stress vulnerability scale, named EVENT, developed in two steps with samples of 388 and 948 undergraduate workers respectively, searching construct validity evidences. Factors were well defined on both steps, with little item migration, and with adequate psychometric quality to international patterns, as to communalities values and items distributions, and as to fidedignity. The final scale was composed by 40 items and three factors, called Climate and Organizational Functioning (16 items), Pressure at Work (13 items), and Routine and Infrastructure (11 items). The reliability rates ranged from 0.77 to 0.91. It was expected EVENT to be a scale able to help professionals related to organizational area to detect employees, as well as teams and acting areas with higher stress vulnerability.


Os estudos sobre estresse têm despertado o interesse de pesquisadores há muitos anos. No entanto, somente a partir dos anos 80 houve um aumento importante do número de publicações. Ao lado disso, o termo estresse também passou a ser bastante utilizado por profissionais de saúde e, pela população em geral, sendo seu uso freqüente, inclusive na grande mídia. Em que pese o fato de ser largamente utilizado, não houve consenso quanto à definição mais apropriada para o construto (Carlson, 1995; Goldberger & Breznitz, 1982; Lewig & Dollard, 2001).

A respeito das definições existentes verifica-se, por um lado, que muitas delas a compreendem em torno dos estímulos que ameaçam ou desafiam o organismo. Por outro lado, outros teóricos focalizam as respostas do organismo aos estímulos ameaçadores (Mills, 1985). A compreensão do estresse como fenômeno associado à síndrome geral de adaptação foi introduzida por Selye (1956, 1982), que a concebia como resultante de uma demanda superior ao que o corpo permite, provocando conseqüências cognitivas e somáticas.

Dentre as diversas concepções teóricas do estresse, Lazarus (1966) propôs a existência de três modelos explicativos. O primeiro focaliza a resposta do organismo submetido a um estímulo estressor, que envolveriam alterações fisiológicas, emocionais e comportamentais. O segundo enfatiza o estímulo, destacando as características aversivas do ambiente. O terceiro e último modelo foi denominado de interacional, pois aborda o fenômeno do estresse a partir das inter-relações entre organismo e estímulos ambientais.

Há muitos estudos que demonstram a estreita relação existente entre o estresse e a saúde física e mental. Sob essa perspectiva, existem pesquisas que apontam o estresse tanto como fator de risco para o surgimento de problemas físicos e psicológicos, quanto como produto desses fenômenos. Muitos dos resultados obtidos têm possibilitado a análise de fenômenos que podem provocar o estresse; em geral, os fenômenos são derivados de problemas pessoais, familiares, sociais ou profissionais (Dewe & Trenberth, 2004; Janis, 1982; Mandler, 1982; Sackeim & Weber, 1982).

Assim, em diversas situações e ambientes podem aparecer reações de estresse, resultantes de variáveis familiares, pessoais, de saúde, sociais, escolares e laborais, dentre outras. Entretanto, parece que nos países desenvolvidos, e em desenvolvimento, as tarefas relacionadas ao trabalho tomam uma parcela relativamente expressiva de tempo e esforços do indivíduo (Farber, 1982; Hamilton, 1982). Nesse sentido, na vida contemporânea, oito horas, em média, do dia das pessoas são ocupadas por atividades laborais que varia em razão da cultura, de mudanças sócio-econômicas, tais como a globalização, desenvolvimento de novas tecnologias, entre outras, desencadeando mudanças expressivas nas relações trabalhistas (Souza, Baptista & Xidieh, 2001).

Ainda nessa direção, os estudos têm mostrado os efeitos deletérios para as empresas, associados ao estresse no trabalho, manifestados pelo absenteísmo, baixa produtividade/desempenho e insatisfação nos ambientes laborais. As profissões ligadas à saúde parecem ser ainda mais vulneráveis ao estresse laboral, que pode prejudicar o bem-estar de toda a equipe e ainda resultar na piora da qualidade do atendimento aos pacientes (Grunfeld et al., 2005; Westman & Etzion, 2001, entre outros).

Como referido, existem estímulos no ambiente profissional que podem contribuir de maneira significativa para o surgimento de um conjunto de sintomas classicamente associados ao estresse ocupacional. Podem ser incluídos nesta categoria alguns estímulos físicos (ruído, temperatura, tarefas repetitivas, entre outros) e psicossociais (medo de punições ou perda do emprego, alegria ou desafio de uma promoção, conflitos interpessoais, competição com colegas, entre outros). Freqüentemente essas situações exigem do indivíduo respostas adaptativas incompatíveis com sua condição física, padrão cognitivo e/ou repertório comportamental (Elfering et al., 2005; Von Onciul, 1996).

Outro aspecto importante para explicar a prevalência de sintomas relacionados ao estresse é a cultura organizacional. Peterson e Wilson (2002) afirmam que, dependendo da forma ela se apresenta, poderá ser aumentada ou diminuída a probabilidade de surgimento do estresse na vida do trabalhador. Os autores destacam alguns aspectos que seriam importantes em uma cultura organizacional (motivações, comunicação entre as hierarquias, autonomia, regras rígidas e/ou punitivas, recursos físicos e humanos oferecidos, estilo de gerenciamento, entre outros) para que a organização possa ser considerada saudável.

Gellis, Kim e Hwang (2004) também ressaltam a importância de alguns elementos organizacionais, como a pressão no trabalho, ambigüidade de regras, relacionamento inadequado entre pares e supervisores, como fatores preditores do estresse organizacional. Ao lado desses, ainda acrescentam outros fatores potencialmente relevantes para o desencadeamento de reações de estresse. Chamam a atenção, em especial, àqueles relacionados à falta de perspectiva no trabalho e à baixa autonomia do empregado.

Vale lembrar as ponderações de Witter (2003) sobre o fato de que apesar do estresse se referir a um prevalente problema de saúde ocupacional, não tem sido objeto de suficientes investigações científicas. Com base em estudo documental sobre a relação entre estresse e professor de literatura internacional, a autora verificou que a maioria dos trabalhos publicados é de caráter descritivo. Além disso, destacou a necessidade de se pesquisar e conhecer melhor as diversas variáveis associadas ao estresse, bem como as condições de trabalho que o geraram.

Araújo, Graça e Araújo (2003) afirmam que no Brasil somente nas últimas décadas têm sido realizados estudos enfocando a relação entre estresse e as demandas organizacionais. Os autores também destacam o desenvolvimento de instrumentos de avaliação aplicados aos contextos organizacionais. Como exemplo, pode-se citar a recente a aprovação pelo Conselho Federal de Psicologia da Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho – EVENT (Sisto, Baptista, Noronha & Santos, 2007), que pode ser utilizada por profissionais psicólogos para avaliar vulnerabilidade ao estresse organizacional.

O objetivo principal desta pesquisa foi a de avaliar evidências de validade de construto, por intermédio de análise fatorial, além dos índices de confiabilidade do EVENT. O estudo foi realizado em duas etapas com amostras diferentes.

1° etapa

Método

            Participantes

Esse estudo contou com 388 participantes, com idades variando entre 17 e 49 anos e uma média de idade de 26,11 anos (DP= 6,99). Desse montante, 37,6% possuíam idades que variaram de 19-22 anos e aqueles com 40 anos ou mais forneceram 5,2% dos protocolos, sendo 66,8% do sexo feminino e trabalhadores que freqüentavam o ensino superior.

 

            Instrumento

            Inicialmente, a confecção dos itens da futura escala de vulnerabilidade ao estresse no trabalho, deu-se com base em três categorias, quais sejam, aborrecimento/contrariedade no trabalho, pressão no trabalho e falta de suporte organizacional. Com base nelas foram geradas por estudantes de mestrado e doutorado em psicologia 181 itens com situações estressoras nas organizações. Todos os itens foram analisados por quatro profissionais com experiência na área do trabalho e, como resultado o instrumento inicial ficou composto por 154 frases referentes a situações estressoras, após a retirada daquelas muito semelhantes e/ou com sentido dúbio. Quando os itens ou assertivas eram positivos as atribuições de pontos foram para a resposta nunca=0, às vezes=1 e sempre=2, havendo inversão nos itens negativos. Alguns exemplos dos itens eram “Ter mais obrigações que os demais colegas”, “falta de perspectiva profissional”, “acúmulo de funções” e “pouca cooperação da equipe para trabalhos que deveriam ser feitos em conjunto”.

 

            Procedimento

Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética da Universidade, o instrumento foi aplicado de forma coletiva, depois da assinatura ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, havendo sempre dois aplicadores por sala, devidamente treinados, para responder a quaisquer dúvidas dos participantes. As aplicações levaram em média 30 minutos.

 

Resultados

O método de Kaiser-Meyer-Olkin foi utilizado como medida de adequação da amostra (KMO=0,88) que possibilita a explicação de uma quantidade boa da variância. Utilizou-se também como parâmetros iniciais, o teste de esfericidade de Bartlett (χ²=4925,88, df=780 e p=0,000), inferindo-se que a matriz era apropriada para a extração de fatores.

            Nesta primeira etapa, optou-se pela utilização do método de extração por componentes principais, com rotação varimax. O scree plot foi também consultado para uma aproximação do número de fatores, já que diversos fatores alcançaram eigenvalues iguais ou superiores a um. A partir de então foram analisados os resultados de dois, três, quatro e cinco fatores e a análise heurística indicou uma melhor interpretabilidade para a configuração de três fatores. Para a eliminação de itens utilizou-se dois critérios, a saber: saturação igual ou superior a 0,30, além da saturação do item em mais de dois fatores. Após a retirada dos itens de acordo com o critério anteriormente exposto, o instrumento ficou constituído por 40 itens, distribuídos em três fatores, explicando 36,01% da variância. O Fator 1 ficou com 17 itens e explicou 21,94% da variância; o Fator 2 com 13 itens e foi responsável por 9,25% da variância total; o Fator 3 com 10 itens explicou 4,82% da variância.

 

2° etapa

Método

            Os 40 itens resultantes compuseram a Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho – EVENT, que foi aplicada em 948 pessoas, com idades variando entre 17-54 anos, com uma média de 26 anos e desvio padrão de 7 anos, sendo 617 (65,1%) do gênero feminino. A aplicação foi coletiva e utilizou-se a mesma forma de correção. As idades entre 19-27 foram responsáveis por 65,9% dos participantes e 5% tinha uma idade igual ou superior a 41 anos.

           

Resultados

            O método de Kaiser-Meyer-Olkin foi utilizado como medida de adequação da amostra, fornecendo um resultado bastante adequado (KMO=0,92) e o teste de esfericidade de Bartlett (c2=10726,77, gl=780 e p=0,000) indicou a possibilidade de extração de fatores e uma boa explicação da variância envolvida.

Os dados foram estudados utilizando-se diversas análises, tais como componentes principais e rotação varimax, com base na imposição da extração de três e quatro fatores. Novamente, a análise, em razão da interpretabilidade das duas configurações, favoreceu a solução de três fatores, com rotação varimax.

A análise para a extração de três fatores explicou 37,44% da variância, um pouco superior quando comparada ao primeiro estudo (36,01%). Ficou mantida a estrutura extraída anteriormente, facilitando a interpretação de uma estabilidade dos fatores encontrados, mas alguns itens mudaram de posição em termos de fatores (Tabela 1), utilizando-se como saturação valores superiores a 0,25.

 

Tabela 1. Saturação por fatores, com rotação varimax e normalização de Kaiser, eigenvalues e variância explicada.

 

Componentes

 

 Itens

1

2

3

13 

0,76

 

 

0,59

14 

0,73

 

 

0,53

15 

0,73

 

 

0,53

27

0,69

 

 

0,53

5

0,63

 

 

0,45

6

0,59

 

 

0,40

19 

0,56

 

0,30

0,41

40

0,51

 

0,29

0,38

26

0,50

 

0,31

0,35

16

0,50

 

0,32

0,38

36

0,49

 

 

0,33

25

0,49

 

 

0,26

4

0,46

 

0,27

0,30

11

0,38

0,32

 

0,29

3

0,37

 

0,34

0,27

18

0,34

 

0,28

0,22

35

 

0,75

 

0,58

34

 

0,73

 

0,54

24

 

0,71

 

0,51

29

 

0,70

 

0,48

28

 

0,62

 

0,39

33

 

0,62

 

0,38

1

 

0,57

 

0,35

39

 

0,56

 

0,36

38

0,27

0,53

 

0,41

2

 

0,51

 

0,30

12

0,36

0,51

 

0,38

17 

0,25

0,47

 

0,30

30

 

0,26

0,25

0,13

8

 

 

0,62

0,41

37

 

 

0,59

0,43

22

 

 

0,56

0,33

10

0,28

 

0,56

0,39

9

0,28

 

0,55

0,38

21 

 

 

0,55

0,34

32

0,37

 

0,47

0,39

7

 

0,33

0,44

0,30

23

 

 

0,41

0,27

20 

 

 

0,46

0,19

31

 

0,26

0,39

0,23

eigenvalues

9,13

3,84

2,00

 

Variância explicada

22,83

9,60

5,01

 

Total de variância explicada

37,44

 

 

Com esta nova configuração foram poucos os itens que mudaram para outros fatores, mesmo assim com congruência, sendo que os de maior preponderância se mantiveram sem modificações. Além disso, o item de número 30 (O meu erro afeta o trabalho dos outros) saturou quase que na mesma intensidade em dois fatores e para efeitos de classificação do item, considerou-se a maior saturação.

O Fator 1, denominado de Clima e Funcionamento Organizacional, antes com 17 itens, agora ficou com 16. Ele é composto por frases que englobam ambiente físico inadequado, chefes despreparados, dificuldades pessoais com o chefe, expectativa excessiva da chefia, falta de oportunidades de progresso no meu trabalho, falta de perspectiva profissional, falta de plano de cargos e salários, falta de solidariedade, função pouco conhecida, impossibilidade de dialogar com a chefia, não saber como sou avaliado, não saber quem manda realmente no meu trabalho, não ser valorizado, salário inadequado para a função, ter autoridade rejeitada pelos iguais ou superiores, e tom autoritário de meus superiores.

O Fator 2, denominado de Pressão no Trabalho, manteve a mesma quantidade de itens. Os itens que o compõem são: acúmulo de funções, acúmulo de trabalho, faço trabalhos que não pertencem à minha função, fazer o trabalho do outro, muita responsabilidade no trabalho diário, necessidade de ajudar colegas para fazer o serviço deles, novas obrigações, o meu erro afeta o trabalho dos outros, prazos para realização de trabalhos, responsabilidade excessiva, ritmo acelerado de trabalho, tenho que atender a muitas pessoas de uma só vez, ter mais obrigações que os demais colegas.

Por último, o Fator 3, denominado de Infraestrutura e Rotina, antes com 10 itens, agora ficou com 11. Compuseram esse fator os itens dobrar jornadas, doença ou acidente pessoal, equipamento precário, licença de saúde recorrente dos colegas, mudança nas horas de trabalho, mudança no status financeiro, mudanças de chefias, perspectivas de ascensão vinculadas à idéia de transferência, pouca cooperação da equipe para trabalhos que deveriam ser feitos em conjunto, problemas com a iluminação do ambiente, salários atrasados.

A média das pontuações dos participantes na dimensão 1 foi de 14,47 (mediana de 15 e moda de 16) com um desvio padrão de 7,18. Assim, 5,9% apresentou uma pontuação igual ou inferior a 4; 87,7 % das pessoas tiveram de 5 a 25 pontos; e 6,40% alcançaram 26 ou mais pontos. Considerando que a pontuação máxima possível é de 32, as pessoas apresentaram uma média próxima ao ponto médio da escala, com toda a extensão da escala representada, pois a pontuação mínima foi de zero e a máxima de 32.

O Fator 2 forneceu uma média de 14,17 (mediana e moda de 14) com um desvio padrão de 5,60, e toda a extensão da escala foi representada, pois a pontuação mínima foi de zero e a máxima de 26. A distribuição das pontuações ficou bastante simétrica, embora ao se considerar que a pontuação máxima possível é de 26, a média das pessoas esteve um pouco acima do ponto médio da escala. As pessoas com pontuações iguais ou inferiores a seis compreenderam 9,4% do grupo estudado; as pontuações entre 7-22 pontos englobaram 87,2%; e 3,4% obteve 23 pontos ou mais.

            Já no Fator 3 não se obteve pontuação em toda a extensão possível da escala (variação possível de zero a 22 pontos), pois os valores ficaram entre 0-21 pontos. Ao lado disso, considerando que a média obtida pelas pessoas foi 6,51 (mediana de seis e moda de três) com desvio padrão de 4,13, observou-se que o ponto médio da escala foi muito superior à média obtida, produzindo uma clara assimetria, indicando que as pessoas tenderam a ter pontuações baixas nesse fator. Assim, 2,8% das pessoas apresentaram uma pontuação igual a zero; 88,2% obteve de 1 a 12 pontos; e 9% alcançaram 13 ou mais pontos.

Usando os procedimentos relacionados à Teoria Clássica dos Testes para estimar a precisão do instrumento, os valores de alfa ficaram entre 0,77 e 0,91, os de Spearman-Brown e Guttman entre 0,75-0,85, considerados bastante adequados. Com base nesses resultados, pode-se concluir que as dimensões do instrumento apresentaram uma precisão bastante boa.

 

Discussão

O problema de afastamentos por diversos tipos de doenças, absenteísmos e improdutividade vem causando prejuízos de bilhões de dólares na economia mundial, tal como salientado por Judkins (2004), o que justificaria o desenvolvimento de instrumentos que avaliem vulnerabilidade ao estresse no trabalho. Diversas classes de estímulos, como físicos e psicossociais podem exigir do trabalhador respostas adaptativas incompatíveis com sua condição física, padrão cognitivo e/ou repertório comportamental, além da função e cargos ocupados. Se essas dissonâncias não forem sanadas, aumenta-se a probabilidade de afastamentos, descontentamentos e absenteísmo, além de prejuízos psicológicos para o funcionário e equipe e prejuízo econômico para a empresa e o país (Elfering et al., 2005; Gellis, Kim & Hwang, 2004; Von Onciul, 1996).

A cultura organizacional também seria responsável pela saúde mental e qualidade de vida de seus funcionários, evitando assim um colapso no sistema de gerenciamento de pessoal (Peterson & Wilson, 2002). Segundo Witter (2003) e Araújo, Graça e Araújo (2003), a área de estresse e, principalmente a avaliação psicológica de estresse organizacional vem sofrendo modificações importantes que variaram da falta de instrumental adequado ao desenvolvimento de novas pesquisas e ferramentas capazes de avaliarem esse fenômeno, logo, esta apreciação da área justifica o desenvolvimento de instrumentos capazes de avaliar o estresse laboral.

            As dimensões encontradas pela análise fatorial, a saber, Clima e Funcionamento Organizacional; Pressão no Trabalho e Infraestrutura e Rotina também parecem expressar o montante de estressores existentes na maioria dos ambientes laborais, o que também torna o instrumento com maior capacidade de discriminar vulnerabilidade ao estresse em diversos segmentos do trabalho. Nesse sentido, do ponto de vista das propriedades psicométricas do EVENT, pode-se concluir que ambos os estudos apresentaram indicativos bastante adequados. A escala apresentou-se de forma multidimensional, corroborando a primeira proposta do modelo de extração por componentes principais e, no segundo modelo, envolvendo a rotação varimax, encontrou-se três dimensões bem definidas e com níveis de saturação também satisfatórios, como ocorreu no primeiro estudo.

A precisão também é considerada um indicativo da qualidade do instrumento de avaliação psicológica. Mais especialmente, a teoria que aborda a pontuação verdadeira defende que cada medida possui fundamentalmente dois componentes, quais sejam, a habilidade verdadeira e o erro aleatório. Em tese, uma quantidade infinita de medidas do mesmo fenômeno, se fosse possível, poderia fornecer a "pontuação verdadeira", eliminando por completo o erro aleatório. Na prática, isso não é possível e em razão disso, a investigação da precisão deve estar presente. Nesse sentido, o foco de interesse deve ser a variação das pontuações ou sua estabilidade.

Uma precisão é alta quando o erro de medida é pequeno. Tomando como referência as concepções de erro aleatório e erro metódico ou sistemático, cabe destacar que o primeiro é causado por fatores circunstanciais, tais como o cansaço e a falta de motivação para a tarefa. O erro sistemático, por sua vez, refere-se a fatores que produzam distúrbios como, dentre eles, música alta e buzina (Guilford & Fruchter, 1978).

            Os estudos de fidedignidade do presente estudo foram feitos com base nos procedimentos relacionados à precisão por consistência interna, cuja estimativa informa quão bem os itens refletem o mesmo construto ou fornecem resultados similares. Em outros termos, a precisão por consistência interna avalia a uniformidade do instrumento por meio de um estudo da relação entre seus itens. Dentre as formas para estudar a consistência interna escolheu-se o coeficiente alfa de Cronbach e a correlação entre duas metades, sob a perspectiva da Teoria Clássica dos Testes. Os resultados do atual estudo também demonstraram índices que variaram de bons a excelentes (Prieto & Muniz, 2006).

            Em suma, espera-se que esta escala possa oferecer uma boa opção de avaliação de vulnerabilidade de estresse em funcionários dos mais diversos setores, já que tal avaliação pode fornecer um diagnóstico do quanto os empregados podem estar dando sinais de inadaptação ao ambiente laboral. A aplicação da escala também pode diagnosticar como determinados setores de atuação, cargos ou mesmo equipes, dentro de uma empresa estão respondendo às diversas variáveis capazes de provocar reações psicológicas e físicas indesejáveis, já que, atualmente um dos focos estratégicos das grandes empresas está na geração de qualidade de vida aos funcionários.

 

Referências

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