Da Concepção Ao Primeiro Ano De Vida: Reflexões Sobre O Relacionamento Mãe-Bebê

Cleuza Pio

Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP
Rio Claro - SP
(Brasil)


Resumo

Neste artigo, originado a partir da atuação como psicoterapeuta infantil no estágio supervisionado em Psicologia Clínica, propõe-se a refletir a relação mãe-bebê, as relações objetais satisfatórias ou insatisfatórias e suas conseqüências para o desenvolvimento da criança, enfatizando ainda, a importância dos distúrbios emocionais na estruturação e no funcionamento psíquico e o que isso acarreta no desenvolvimento do bebê até o primeiro ano de vida.

Palavras-chave: concepção - desenvolvimento humano - distúrbios emocionais

Abstract

In this article, originally at to arise from act as children`s psychotherapy in the supervise training in Clinical Psychology, to reflect the relation mother-baby, the relation satisfaction object or not satisfaction and consequence to child development, emphatically still, the importance of disturbance emotional in the psychic structure and functioning and what this resulted in baby development until at first year of life.

Key words: conception - human development - emotional disturbance.


INTRODUÇÃO

Busquei neste ensaio refletir sobre a relação mãe-bebê a partir da concepção até o primeiro ano de vida. Para tanto, serão utilizadas algumas idéias desenvolvidas por Piontelli (1995), Spitz (1979), Soifer (1980) e Winnicott (1971).

Tomando-se como referência que o primeiro ano de vida é uma etapa de forte aprendizado no desenvolvimento humano e que inúmeras e incontáveis habilidades são adquiridas neste período, pretendo percorrer algumas brechas do universo infantil, analisando as relações objetais satisfatórias ou insatisfatórias e suas conseqüências para o desenvolvimento da criança.

Contudo, a interpretação segundo a psicanálise nunca é definitiva e nada responde. A singularidade que nos constitui como sujeito possibilita interpretações diferenciadas se comparada com a de outros psicoterapeutas. Esta singularidade é efeito das experiências inconscientes vividas pelo inconsciente, e isso propicia um universo cheio de possibilidades, de produção de sentidos.


A RELAÇÃO MÃE-BEBÊ

Piontelli (1995) relata as experiências vividas no ventre materno e como estas pareciam desempenhar um papel importante na patologia atual da criança. A autora inicia seu livro, colocando na contracapa uma citação de Freud em Inibições, Sintomas e Ansiedade em que descreve que "há muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante censura do ato do nascimento nos permite saber", fato que parece indicar uma continuidade entre o comportamento pré e pós-natal. Logo estas experiências teriam um efeito emocional profundo sobre a criança e

"o fato de termos todos sido um dia bebês nos ajuda a compreender melhor o impacto emocional que os verdadeiros bebês ou os aspectos infantis de nossos pacientes mobilizam em nós, e a observação direta de bebês no cotidiano ajuda-nos a confirmar e reforçar, bem como corrigir ou rejeitar as nossas intuições" (PIONTELLI, 1995, p. 20).

A gravidez é uma situação que envolve tanto a mulher quanto o companheiro e o meio social em que convivem. Poderia ser chamada de vocação humana, mas nem toda mulher deseja procriar, não deseja estar numa condição maternal em que dessa situação decorrem também sintomas somáticos como acessos de ansiedade, sonolência, náusea, vômito, diarréia, constipação, etc. Esse período sem dúvida é de muito sacrifício tanto para a mãe quanto para o pai.

A mulher se vê diante de um momento conflitivo em que o feto representa algo invisível, desconhecido, uma incógnita, visto como algo nada humano, uma "coisa" totalmente indefinida. Segundo Soifer (1980, p. 27) "quando uma mulher engravida, é porque sua tendência à maternidade superou amplamente o terror aos filhos. Esse terror continuará existindo nela, sem dúvida, mas com características atenuadas pelo desejo de ser mãe", embora o que sinta seja "ansiedade e culpa porque reativa no inconsciente as fantasias incestuosas e masturbatórias infantis" (SOIFER, op. cit., p.30). A maternidade não é algo confortável e a ansiedade causada é devida à percepção da mãe dos movimentos fetais, pois experimenta uma relação tão íntima com o feto, numa relação totalmente egoísta em que um é do outro e vive pelo outro e não existe a interferência do meio externo. O pequeno ser que carrega dentro de si será dela e vice-versa, num laço mútuo e contínuo que se estende além do nascimento.

A espera do bebê é acompanhada por muitas fantasias que vão desde o medo de o filho ser disforme, até à morte eventual da criança. Logo ocorre uma diminuição da libido na mulher, e o companheiro se vê excluído e com inveja dessa relação, assim é necessário que peça


" à sua mulher que lhe explique como são os movimentos, e se empenha em percebê-los através do ventre, etc. Sobre essa base vai-se instalando e formando o amor paternal, que não é inato e sim adquirido, primeiro por identificação com o próprio pai e depois na relação conjugal" (SOIFER, op. cit., p.33).

Essa atitude tomada pela mãe é necessária para que o pai conheça a criança e mesmo experenciando o conflito edipiano da exclusão é enriquecido por cada criança que traz ao mundo e mesmo no ventre da mãe, o feto já se distingue "de qualquer outro ser humano, e no momento em que nasce já teve uma grande soma de experiências tanto agradáveis como desagradáveis" (WINNICOTT, 1971, p. 20). Isso mostra que mesmo estando no ventre materno o bebê aprende muito com a mãe, compartilha as mesmas refeições, os mesmos sentimentos, os mesmos hábitos, tudo é dividido. Assim, conhece mais a mãe do que ela a ele, até que nasça e a mãe e o pai possam acolhê-lo em seus braços, olhá-lo e amá-lo.

A mãe é sem dúvida, a pessoa que melhor o conhece, de tal forma que o estudará minuciosamente para poder satisfazê-lo a todo momento que precise. Mas é uma tarefa absorvente e contínua. Apesar das dificuldades a palavra desistência não deveria existir para a figura materna, fator que abalaria a inserção do bebê no mundo em pequenas doses e na medida certa.

O parto representa a passagem do estado de gravidez para uma situação em que a mãe não vê mais aquela barriga enorme e não percebe mais os movimentos do feto dentro de si. Esse momento envolve a separação de dois seres muito íntimos e o forte desejo dessa mãe de conhecer o seu bebê, sendo que "a partir da expulsão, a criança adquire vida própria, devendo, nesse mesmo instante, encarregar-se de uma variedade de funções fisiológicas que até então eram cumpridas pela mãe, como a respiração, a alimentação, a evacuação, etc" (SOIFER, 1980, p. 51).Além disso o parto é a porta de entrada do novo ser no meio social e a presença do pai é fundamental para a mãe e para a criança, pois ambos agora estão juntos pela primeira vez, após nove meses de forte ansiedade e muitas fantasias. A relação mãe-bebê é a evolução das relações sociais ou seja, é a primeira relação social da criança. Posteriormente surgem outras envolvendo outros contextos.

Logo a criança pequena e frágil passa de um completo desconhecido para um ser que todos podem tocar e ver. A mãe volta a si mesma, recobra a identidade perdida durante a expulsão do bebê, pois esse momento é sentido por ela como uma situação sexual. Tenta perceber o que sente ao ver ali embrulhado em seus braços aquele ser tão pequeno, tornando-se pouco a pouco uma pessoa. Uma parcela do seu próprio ser que agora está vivendo uma vida independente, mas ao mesmo tempo sendo ainda tão dependente do meio externo. Assim " é essencial encarar a criança como um ser humano que começa com todos os sentimentos intensos dos seres humanos, embora sua relação com o mundo esteja apenas principiando" (WINNICOTT, 1971, p.141).

A partir do nascimento o bebê pertence ao meio social no qual seus pais biológicos vivem e a vida representa para ele uma série de experiências boas e más, mas terrivelmente intensas. A mãe já o apresentou ao mundo quando ainda estava em seu ventre de maneira normal e isso concebeu "ao bebê tempo para experiências totais e, participando delas, a mãe estabelece gradualmente as bases para a capacidade de o bebê desfrutar, finalmente, todas as espécies de experiências sem precipitação" (WINNICOTT, op. cit., p. 86), tudo no momento certo.

O bebê agora não tem mais liberdade de movimentos como antes e continua a ser um ser impotente que precisa interagir com o meio ambiente para que possa desenvolver-se. Por outro lado, a família deve oferecer valores, papéis e objetos que uma vez interiorizados ajudam o bebê a estabelecer a sua identidade. Principalmente a mãe e o pai precisam ter atitudes de muito apoio e cuidado nesse momento.

O bebê precisa se adaptar mesmo sendo indefeso e incapaz, mas "o que falta a uma criança é compensado e fornecido pela mãe. Esta propicia a satisfação de todas as suas necessidades. O resultado é uma relação complementar, uma díade" (SPITZ, 1979, p. 23).

Mesmo a mãe sendo suficientemente boa e satisfazendo as necessidades do bebê, as reações de desprazer podem ser observadas desde o nascimento, mas ainda "não temos meios de saber o que o comportamento do feto 'expressa' " ( SPITZ, op. cit., p. 50), embora o bebê humano tenha idéias e

"todas as funções são elaboradas na psique, mesmo no inicio há uma fantasia associada à excitação e à experiência alimentar. A fantasia, tal como se depreende, é a de um implacável ataque ao seio materno e; finalmente, à mãe, logo que a criança se apercebe de que pertence à mãe o seio que é atacado. Há um elemento agressivo muito forte no primitivo impulso de amor, que é o impulso para mamar" (WINNICOTT, 1971, p. 58).

O recém-nascido não é protegido de todo mal e sofrimento. Esta fase é recheada de uma série de problemas específicos que o bebê terá que resolver e enfrentar e "ele não pode transmitir o que sofre, o que não significa que ele não sofra" (SPITZ, 1979, p. 113), porém como toda etapa não se processa numa curva uniforme e regular, o desenvolvimento humano no primeiro ano de vida não é diferente. Segundo Spitz (1979, p. 115),

"os organizadores da psique são de importância extraordinária para a progressão ordenada e livre do desenvolvimento infantil. Se a criança estabelecer e consolidar com êxito um organizador no momento apropriado, seu desenvolvimento pode prosseguir na direção do próximo organizador".

Logo, se ocorrer o fracasso do organizador todo o desenvolvimento se interrompe. Entende-se por organizador a maneira pela qual o bebê se relaciona com o meio e existem três tipos segundo o autor. O primeiro é quando a criança sorri diante de um rosto humano, estabelecendo uma relação pré-objetal ainda indiferenciada; o segundo, a criança se sente angustiada frente a um rosto estranho, nesta fase há uma maior diferenciação da mãe e da não-mãe, do eu e não-eu, e, finalmente, o terceiro organizador é quando da aquisição da palavra "não" que representa o acesso ao simbólico e com isso abre-se o campo para as relações sociais.


O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ

No decorrer do primeiro ano de vida a estrutura psíquica do bebê ainda não está bem estabelecida e nem diferenciada e "a teoria psicanalítica estabelece que o ego é a esfera da psique que serve de mediador às relações entre interior e exterior, às transações entre o mundo interno e o ambiente" (SPITZ, 1979, p. 116).

A maturação e o desenvolvimento se manifestam após o nascimento, mediante a interação do bebê com o ambiente interno e externo e no "decorrer da maturação, as zonas oral, anal e genital são ativadas, marcando os estágios sucessivos do desenvolvimento da libido" (SPITZ, op. cit., p. 27), toda e qualquer ação e resposta do bebê são provocadas pela mãe. Logo "a existência da mãe, sua simples presença, age como um estímulo para as respostas do bebê, sua mínima ação - por mais insignificante que seja - mesmo quando não está relacionada com o bebê, age como um estimulo" (SPITZ, op. cit., pp. 119-120).

Contudo no recém-nascido ainda não existe ego, complexo de Édipo, superego, pensamento simbólico, linguagem, mecanismo de defesa e nesse "organismo ainda faltam consciência, percepção, sensação e todas as outras funções psicológicas, sejam elas conscientes ou inconscientes"(SPITZ, op. cit., p. 24). O que torna a criança capaz de construir uma imagem do mundo que o cerca, advém da reciprocidade entre mãe-bebê, ou seja "todo estímulo deverá ser primeiro transformando em uma experiência significativa, somente então ele pode tornar-se um signo do qual outros signos são acrescentados, gradativamente, para construir a imagem coerente do mundo da criança "(SPITZ, op. cit., p. 54), apontando que a percepção está sendo adquirida pelo bebê, porém é influenciada pelo afeto que poderá torná-la importante ou não.

Os afetos determinam também a relação entre percepção e cognição e são capazes de explicar alguns comportamentos e acontecimentos psicológicos. Assim "a partir do início da vida, é a mãe o parceiro humano do filho, quem serve de mediador a toda percepção, toda ação, todo discernimento, todo conhecimento" (SPITZ, op. cit., p. 97) e precisa estar à disposição do filho todo o tempo pois assim a aprendizagem pode caminhar. A voz materna fornece estímulos acústicos vitais para o bebê, que são pré-requisitos para o desenvolvimento da fala que envolve a percepção e a descarga de energia, essenciais para a criança.

O afeto materno, por sua vez, é capaz de criar um clima emocional favorável, um mundo completo de experiências vitais para a criança, "portanto a atitude emocional materna, seus afetos, é que servirão para orientar os afetos do bebê e conferir a qualidade de vida à experiência do bebê" (SPITZ, op. cit., p. 99). Mas outros seres humanos que fazem parte do ambiente da criança influenciam-na emocionalmente: são os irmãos, parentes, amigos, etc.. Todos podem ou não ter significado afetivo embora uma cultura ou um padrão passem a ser transmitidos à criança pela mãe ou por outras pessoas pertencentes ao seu meio externo.

A vida representa sem dúvida para o bebê uma série de experiências muito intensas, afinal não é apenas um corpo e sim uma pessoa ainda muito pequena tentando sobreviver em meio a todas essas novidades. O pai e a mãe possuem a responsabilidade de cuidar do bebê para que possa transformar-se num adulto sadio, e a figura paterna representa a segurança social e apoio moral, e sua ausência simboliza a falta de um homem com quem o bebê possa se identificar no futuro e

"um bebê privado de algumas coisas correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está votado, até certo ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional que se revelarão através de dificuldades pessoais, à medida que crescer" (WINNICOTT, 1971, p. 95).

O desenvolvimento humano é um processo contínuo e nem sempre os pais conseguem privar o seu bebê de seus próprios humores, angústias e emoções. Mas a mãe é necessária desde o princípio e "os cuidados maternos com o próprio bebê são inteiramente pessoais, uma tarefa que ninguém mais pode realizar tão bem quanto a própria mãe" (WINNICOTT, op. cit., p. 98). Há uma ligação muito forte entre eles e

" logo nos primeiros dias, é o padrão e a técnica do cuidado materno que o bebê percebe, bem como os detalhes de seus mamilos, o formato das suas orelhas, a qualidade do seu sorriso, o calor e o aroma de seu hálito. Muito cedo o bebê poderá ter uma idéia rudimentar de uma espécie de totalidade da mãe, em certos momentos especiais. Contudo, à parte do que pode ser percebido, o bebê precisa que a mãe esteja constantemente presente como uma pessoa total, pois só como um ser humano total e maduro pode ela possuir o amor e o caráter necessários para a tarefa" (WINNICOTT, op. cit., p. 99).

Todo ser humano precisa do outro, não existe sozinho e um bebê também precisa dessa relação total. Entretanto, caso ocorra alguma falha nessa relação algo se perde e não poderá ser recuperado mais tarde, representam mais as necessidades psicológicas e emocionais do que as fisiológicas da criança e a mãe tem importância fundamental na satisfação dessas carências, mas para isso é necessário um ambiente emocional estável.

Mas mesmo sendo criado num ambiente saudável, " não se deve concluir que todos os bebês sensivelmente alimentados e orientados por uma dedicada mãe estejam necessariamente fadados a desenvolver uma completa saúde mental" (WINNICOTT, op. cit., p. 120), porém tudo o que foi conquistado através dessas experiências boas devem ser consolidados com o decorrer do tempo. Logo o aspecto maternal e paternal da vida familiar é essencial para que o elo emocional não se quebre, segundo Winnicott

"para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, dependem totalmente de que lhes seja dado um bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o nome desse vínculo. Portanto, se você ama o seu filhinho, ele estará recebendo um bom princípio" (WINNICOTT, op. cit., p. 17).

Na primeira infância tanto o prazer quanto o desprazer são as duas principais experiências afetivas do bebê, ambas propiciam a formação do sistema psíquico e da personalidade e

"coibir qualquer um dos afetos é transtornar o equilíbrio no desenvolvimento. É por isso que criar os filhos de acordo com uma doutrina de total permessividade leva a resultados deploráveis. A importância da frustração para o desenvolvimento nunca será superestimada - afinal é a própria natureza que a impõe" (SPITZ, 1979, p. 138).


DISTÚRBIOS EMOCIONAIS

A frustração permite que a criança se torne ativa, testando a realidade de forma que o ego se desenvolva satisfatoriamente. Ainda que situações de desprazer sejam impostas à criança e aumentem com o passar dos anos, através do "contato com estas frustrações que se repetem, a criança atinge, no decorrer dos primeiros seis meses, um crescente grau de independência e torna-se cada vez mais ativa em suas relações com o mundo exterior, animado ou inanimado" (SPITZ, op. cit., p. 139). As frustrações emocionais fazem com que a criança entenda as proibições da mãe, através do processo de identificação e a negação é o primeiro conceito aprendido, porém

"Freud ( 1925a) ressaltou que não existe "não" no inconsciente. Certamente, isso

decorre das leis que regulam o processo primário. (...) como o recém-nascido não está consciente durante as primeiras semanas após seu nascimento, ele age apenas de acordo com o processo primário, suas reações, sua atividade, são o resultado de descarga de tensão que, na ausência de uma organização psíquica, não pode se tornar consciente. Portanto, este seu comportamento não pode expressar negação" (SPITZ, op. cit., pp.176-177).

Além disso as atitudes inconscientes da mãe facilitam as ações do bebê e podem também ter uma influência patogênica sobre o seu desenvolvimento, pois "a própria perfeição de uma relação entre dois seres tão intimamente harmônicos entre si - e unidos por tantas coisas tangíveis e intangíveis - acarreta a possibilidade de sérios distúrbios, caso haja uma quebra de sintonia" (SPITZ, op. cit., p. 185), ainda mais que essa relação envolve de um lado um parceiro ativo e dominante e do outro lado, um receptor passivo e totalmente dependente.

Os distúrbios da personalidade materna e a relação insuficiente entre mãe e bebê provocam sérias influências psicológicas prejudiciais e fortes perturbações na criança, assim "podemos dizer que a personalidade da mãe atua como um agente provocador da doença, como uma toxina psicológica" (SPITZ, op. cit., p. 187), que podem ser geradores das doenças de carência afetiva e dos distúrbios emocionais como a rejeição primária ativa e rejeição primária passiva. A rejeição primária ativa ocorre quando a atitude materna consiste em uma rejeição global da maternidade, esta rejeição inclui a gravidez e a criança e, provavelmente, também muitos aspectos da sexualidade genital( SPITZ, op. cit., p. 189). Já a rejeição primária passiva é quando a rejeição materna não é dirigida contra a criança como um indivíduo, mas contra o fato de ela ter tido uma criança. Isto quer dizer, é uma rejeição da maternidade, e não se refere a um objeto determinado( SPITZ, op. cit., p. 191).

A cólica dos três meses, o eczema infantil, a oscilação entre mimo e hostilidade, as oscilações cíclicas de humor da mãe e a hostilidade materna conscientemente compensada, são as patologias decorrentes das relações objetais. A coprofagia e a manipulação fecal pressupõe um tipo de relação objetal patológica e os altos e baixos do temperamento emocional da mãe propiciam outros sintomas, sendo que "o humor depressivo da mãe origina, na criança, uma inclinação para tendências depressivas. A mãe deprimida afasta-se da criança e a criança, nas palavras de Anna Freud, 'acompanha-a em seu humor depressivo'"(SPITZ, op. cit., p. 227). A criança é contaminada pelo clima afetivo presente e quando a mãe depressiva se afasta por achar-se deprimida, bloqueia o desenvolvimento normal do bebê e

"a mudança radical de sua atitude emocional transforma-a num objeto "mau". Enquanto o objeto "bom" atrai as oportunidades para trocas de ação com a criança, a mãe que se afastou por depressão evita-as e nega-as. A criança é, assim, privada de oportunidade de completar a fusão. Em sua necessidade de trocas de ação, ela segue a mãe a atitude depressiva e adquire, então, sua tendência incorporativa global, tentando manter aquilo que já conseguiu no caminho das relações objetais" (SPITZ, op. cit., p. 228).

Os efeitos da perda do objeto acarretam as doenças de carência afetiva do bebê que é a privação afetiva parcial ( depressão anaclítica) e a privação afetiva total (hospitalismo), sendo que "a depressão analítica e o hospitalismo demonstram que uma grande deficiência nas relações objetais leva a uma parada no desenvolvimento de todos os setores da personalidade"(SPITZ, op. cit., p. 249), destacando a importância dessas relações durante este processo. A criança acompanha a mãe na sua depressão e no seu humor, pois

"faltam ainda muitos mecanismo do ego, a criança só pode sobreviver porque sua mãe serve-lhe de ego exterior, de ego auxiliar (SPITZ, 1951), que preenche sua estrutura psíquica incompleta e inadequada, e propicia o mecanismo sensório-motor necessário para o funcionamento adaptativo e regulativo" (SPITZ, op. cit., p. 230).

Quando distúrbios sérios como os descritos acima "ocorrem durante o período formativo da psique, acabam deixando cicatrizes na estrutura e funcionamento psíquico" (SPITZ, op. cit., p. 257).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como qualquer leitor pode constatar, esse texto é pleno de pistas para pensar a relação mãe-bebê e o surgimento de distúrbios emocionais decorrentes das relações satisfatórias e/ou insatisfatórias estabelecidas desde a concepção até o primeiro ano de vida.

O que foi levantado durante esta reflexão, fizeram-se necessárias a partir dos componentes colocados pela clínica, em que nos foi permitido operar minimamente na intervenção clínica e o desejo de desvendar o que cerca os mistérios pré e pós-natal e suas conseqüências futuras para a criança. É importante ressaltar o grande valor do entendimento individual no que se refere a formação da personalidade e muitos outros fatores que decorrem no processo no qual a criança descobre, segundo Winnicott, a importância própria.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PIONTELLI, A .(1995). "De Feto a Criança: um estudo observacional e psicanalítico". Trad. Joana Wilheim, Nicia Lyra Gomes e Sônia Maria de Godoy. Rio de Janeiro: Imago.

SOIFER, R. (1980). "Psicologia da Gravidez, Parto e Puerpério". Trad. Ilka V. de Carvalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 6ª ed.

SPITZ, R. A .(1979). "O Primeiro ano de Vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais". Trad. Erothildes Millan Barros da Rocha. Revisão Estela dos Santos Abreu. São Paulo: Martins Fontes.

WINNICOTT, D. W. (1971). "A criança e o seu Mundo". Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar editores, 2ª Ed.