O Playback Theatre Como Uma Proposta Educativa

 

Marcela Amorim Soares
Maria Elisa Rizzi Cintra

Universidade São Marcos
(Brasil)

 

RESUMO

A pesquisa foi elaborada a partir da observação da postura de arte-educadores como monitores em exposições, e tem como objetivo propor a utilização do Playback Theatre (de Jonathan Fox) pelos mesmos. Para realizar tal elaboração buscou-se sustentação teórica no Psicodrama e, especialmente na técnica do Playback Theatre, considerando que ter este conhecimento poderá capacitar os arte-educadores para um melhor direcionamento na proposta educacional da visita. Este trabalho apoiou-se também na Proposta Triangular do Ensino da Arte (de Ana Mae Barbosa), abordagem complexa que intersecta a leitura da obra de arte, sua contextualização e o fazer artístico. Ao observar um grupo em uma exposição percebeu-se que o arte-educador responsável não incentivou nem a participação em grupo, nem o desenvolvimento da criatividade. As reflexões resultantes apontaram para a necessidade de criação de novos olhares e ações com grupos, no que, a técnica do Playback Theatre como meio de ação educacional poderá colaborar.

 

ABSTRACT

The Playback Theatre as an Educational Proposal

This research was elaborated based on the practice of a group of many art educators working as museum educators in exhibitions. It aims to propose the usage of the Playback Theatre (by Jonatahn Fox) techniques by some art educators. Resources for this research’s elaboration were found in the Psychodrama theories, especially in Playback Theatre techniques, considering that it may help art educators to be able of conduct the tour’s educational approach in a better way. This research was also based on the Triangular Proposal for Art Teaching (by Ana Mae Barbosa), a complex approach witch puts together art appreciation, contextualization and art production. Observing visitors in a museum, it was noticeable that the museum educator responsible for one group did not achieve to stimulate people to participate, and to use their creativity. The results of the reflections about this kind of situation pointed out to the need of creating new ways of acting and approaching the visitors. Playback Theatre can help to create these new ways when used as an educational tool.

 

INTRODUÇÃO

Este artigo foi escrito a partir de uma monografia fruto de um ano de pesquisa e foi construído por duas alunas de graduação do curso de Psicologia da Universidade São Marcos.

Partimos da nossa apreciação pelas Artes, em especial o Teatro e da certeza de que um trabalho integrado com corpo e mente na interação com o Outro, é condição fundamental para o bom desenvolvimento do ser humano, fatores decisivos para que procurássemos uma maior compreensão da linha psicodramática teoria que transpassa e sustenta toda a monografia.

Foi neste cenário que ao entramos em contato com a técnica do Playback Theatre; percebemos que este se relacionava perfeitamente, ao que tínhamos em mente: propor a sua utilização na atuação de arte-educadores junto a grupos, com os quais ele terá um único contato.

O arte-educador em uma exposição tem a função de mediador entre público, objeto exposto e discurso expositivo.

Confiamos na importância do conhecimento da teoria e prática Playback Theatre pelo profissional de Arte-Educação em atuações junto a grupos com os quais terá apenas um único contato, por que este operara junto a uma grande heterogeneidade de pessoas e linguagens, destarte a educação nesta área poderá visar um novo olhar para as Artes, área esta inundada em subjetividades. Pois, o Playback Theatre oferece conhecimento a respeito da dinâmica das pessoas e grupos, o que acreditamos possibilitar uma melhor direção para um trabalho em grupo.

Foi um trabalho de pesquisa e reflexão pessoal, pois nos exigiu um nível de envolvimento tal, que o objeto de investigação passou a fazer parte de nossas vidas, a temática é realmente uma problemática vivenciada. Não apenas no âmbito dos sentimentos, mas no nível da avaliação da relevância e da significação dos problemas abordados e na relação com o mundo que nos cerca.

Consideramos as categorias apresentadas por Severino (2000, p;): é uma pesquisa autônoma, por ser fruto de um esforço próprio, não que despreze a contribuição alheia, mas tem a capacidade de um inter-relacionamento enriquecedor com outros pesquisadores, pesquisas e fatos. É uma pesquisa criativa, de modo que, não mais apenas se apreende ou se apropria da ciência acumulada, mas colabora com o avanço e desenvolvimento da ciência, buscando seu desvendamento e explicação. E é rigorosa, uma vez que o conhecimento não se dá espontaneamente ou por acaso, aqui se define a exigência da logicidade e da competência, não se opõe à exigência da criatividade, mas a pressupõe, é preciso uma prática e uma vivência que façam convergir estes dois setores.

Trabalhamos o fenômeno da atuação do arte-educador junto a grupos que terá apenas um contato, buscando uma compreensão particular deste

Procedimentos que foram adotados:

Para realizarmos tal elaboração, iniciamos pelo estudo do Psicodrama proposto por Moreno, a sua trajetória desde o Teatro da Espontaneidade até a sua consolidação, já que esta abordagem foi uma das influências primárias do Playback Theatre. Em seguida nos aprofundamos na técnica do Playback Theatre através de leitura e vivências práticas através da sua história e forma de utilização. Como propomos aqui uma parceria com uma área específica, procuramos nos inteirar também a história da Arte-Educação no contexto brasileiro e seus conceitos, nos embasando na Proposta Triangular do Ensino da Arte, elegendo esta visão, dentro deste contexto, para fundamentar a qual arte-educador fazemos referência.

Usamos como método de pesquisa para obtenção de dados concretos a respeito do fenômeno a ser estudado a observação. Fizemos uma observação da performance de um arte-educador em uma exposição, e do comportamento de um grupo de visitantes monitorado por ele, para que pudéssemos, a partir da prática, e portanto de forma mais fidedigna, fazer uma proposta educativa usando o Playback Theatre às possibilidades reais de atuação. Assim, discutimos e buscamos um significado para a nossa proposta adotando também o referencial da pedagogia libertadora proposta por Paulo Freire.


A BUSCA DE UM SIGNIFICADO

Iniciamos pelo estudo do Psicodrama proposto por Moreno, a sua trajetória desde o Teatro da Espontaneidade até a sua consolidação.

Do Teatro Da Espontaneidade Ao Psicodrama: As Origens Do Playback Theatre.

Criado por Jacob Levy Moreno (Bucareste, 1889-1974), o teatro da espontaneidade se propões como um novo tipo de teatro, onde o texto pré-estabelecido é abolido, a definição do tema, dos personagens, e das linhas gerias do espetáculo, acontece junto do espetáculo, como produto de uma pesquisa orientada pelo diretor. Aquele que faz o personagem principal, emerge da própria platéia. Os atores coadjuvantes podem ser tanto profissionais, como podem vir do auditório. A participação deste é intensa, já que qualquer espectador pode intervir na trama, trazendo um novo personagem que poderá até mudar a direção do enredo.(Aguiar, 1988).O ator não deseja ser visto ou ouvido, ele deseja co-atuar e interagir com todos e a arte da espontaneidade não faz uso do princípio de organizar antecipadamente o processo de assumir o papel. O corpo imaginário (papel) emerge no momento da própria apresentação. È apenas o momento que decide se o papel deve ou não existir. O ator atua o momento, um após o outro e após o término do processo, este poderá ser considerado uma “peça”, mas não se sabia como seria o final da combinação das diversas cenas e atos, pois estes são separados um dos outros.

As complexidades de um teatro da espontaneidade são conseqüentemente enormes. Ator e espectador experienciam momentos e atos individuais ao invés de uma combinação condensada de idéias.

O espectador também colore a idéia cênica com matrizes particulares, e o produtor de um teatro da espontaneidade deve organizar as cenas e temas a fim de que se aproximem do desenvolvimento dos caracteres e da unidade de motivação. O dramaturgo está no papel chave, ele não é apenas um escritor ( na verdade, ele não escreve de concreto coisa alguma), mas um agente ativo. O artista do improviso têm seu ponto de partida ao fora de si, mas em seu interior, no “estado de espontaneidade”, e se foi aplicada ao drama, está então, desenvolvida uma nova arte teatral.

O Psicodrama visa compreender o fenômeno grupal a partir do conceito de tele, que em grego significa à distância, indica uma relação além da identificação e transferência, englobando-os. No fenômeno télico, uma pessoa é capaz de perceber outra pessoa, com quem se relaciona, de forma mais aproximada possível, ao mesmo tempo em que também seria percebida por esse outro.

Foi definido, no Psicodrama, um desempenho ou função que cada sujeito tem na vida real, ocorrendo num sistema de inter- relação. Aqui, os indivíduos têm participação na realidade social através dos papéis psicodramáticos que, por sua vez, são determinados por fatores genéticos e ambientais.

O Psicodrama privilegia o ser humano em relação, interatuando papéis da vida real, de modo semelhante a uma ação cênica. É na ação cênica que se pressupõe que o sujeito possa desenvolver sua espontaneidade e criatividade. Vivendo papéis imaginários ou sociais correspondentes a sua realidade, o sujeito se capacita a realizar mudanças e transformações nos papéis de sua vida real, no relacionamento com os outros e na vida comunitária.

Para uma boa ação cênica, é preciso a mobilização das pessoas na participação, o aquecimento, que quebra a couraça corporal ou emocional com a qual o sujeito posiciona –se na relação. Depois do aquecimento, surge o protagonista, que é o cliente que emerge, simbolizando um sentimento em comum que permeia o grupo e recebendo deste, permissão para protagonizar. O Psicodrama dramatiza para desdramatizar. Supõe-se que, com as encenações, a repetitividade dos papéis possa ser esvaziada, ensejando transformações.

A mobilização de afetos e emoções, a inter-relação de dois ou mais participantes do grupo e o compartilhar de todo o grupo possibilitam a catarse do protagonista e a correspondente resposta dos participantes. A catarse, o verdadeiro fenômeno curativo do Psicodrama.

A proposta do Psicodrama é que não haja dramaturgo nem texto previamente escrito, que os atores desempenhem seus papéis criando-os naquele momento da representação, dentro do campo de interação psicológica ali formado. improvisação dos temas e acontecimentos surgidos ali na ação e no diálogo é a principal característica do Psicodrama.

Assim como no Teatro da Espontaneidade, é necessário espaço para a criatividade e espontaneidade. À proposta de recuperação saudável da espontaneidade, criatividade e sensibilidade do homem, chamamos de “ revolução criadora.” Romper padrões estereotipados de comportamento, lutar contra a automatização ou robotização das pessoas, estimular a participação na vida social com valores éticos e dignos da civilização, promover o crescimento do sujeito a partir de suas relações com o outro, permitir ao homem superar as conservas culturais, sem destrutividade, são algumas das propostas dessa revolução.

No Psicodrama, o homem é sempre considerado em relação ao outro: existir é co- existir com o outro. As correntes afetivas e o modo pelo qual são transmitidas e captadas enriquecem a vivência das pessoas no “aqui e agora” da experiência relacional.

Para a realização de uma sessão de psicodrama o Diretor deve dominar técnicas de encenação que têm a função de catalizar o processo terapêutico. As técnicas fundamentadas na teoria da Matriz de identidade, Matriz da identidade seria o lugar físico, psicológico e relacional onde a criança chega ao nascer, tendo necessidade de auxilio das pessoas, contam quase sempre com a presença de um outro com quem o protagonista irá contracenar, no Psicodrama chamados de egos auxiliares.

Uma sessão de Psicodrama, em primeiro lugar, leva em consideração o contexto social de onde o grupo provém. Formado o grupo, espera- se que ele se desenvolva, desvinculado dos modelos sociais “ lá de fora”, controladores e restritivos. Estimulam- se a espontaneidade e criatividade de seus membros e observa- se seu desenvolvimento..

O primeiro tempo de uma sessão é o aquecimento, onde se faz a preparação para a ação dramática, onde são usadas várias técnicas, entre elas, os jogos dramáticos e outras propostas deles derivadas.

Dramatização é o segundo tempo da sessão, a encenação dramática propriamente dita, o protagonista dramatiza seu drama pessoal, que convive com ele. No Psicodrama, cada participante tem a oportunidade de tecer a sua história reinventada e re- significada. A dramatização ajuda a conscientizar conflitos, elucidar dificuldades e encaminhar resoluções.

Por fim, existe a etapa do “compartilhar”, onde o grupo expressará suas emoções, a partir do modo como a dramatização atingiu seus sentimentos. Não há críticas, nem observação técnicas, o grupo participa afetuosamente dividindo experiências e propondo –se como “continente para os conflitos vividos ali”.

É na tomada do papel , na imitação de modelos já existentes; No jogo de papéis e na criação de papéis, que o ator desenvolve um alto grau de liberdade e criatividade.

A verdadeira ação espontânea corresponde a criação, e atuação de papéis próprios , esta dimensão criativa entre em constante conflito com as normas sociais que impõe modelos, no psicodrama pode-se usar este potencial imaginativo/ criativo para a transformação da realidade, para recriar, a proposta éresgatar o homem espontâneo/criativo preso nas amarras culturais. A criatividade entra como aquilo que o indivíduo faz para recriar o seu eu com espontaneidade através do conjunto de papéis que desempenha no jogo da vida. (Rubini, Acesso em: 08/09/03)

O Psicodrama se difundiu por vários países do mundo, fez escola, e abriu possibilidades para um agir espontâneo e criativo, surgiram várias formas de contar histórias e diversos meios de trabalhar conflitos através de dramatizações. Uma delas foi o Playback Theatre.

O Playback Theatre

É uma forma de improvisação teatral que surge através da colaboração entre os atores e a platéia. È uma experiência construída em grupo.

A improvisação acontece quando pessoas relatam eventos reais de suas vidas e os vêem, logo em seguida, encenados no palco, alguém voluntariamente conta uma história ou um momento de sua vida, escolhe atores para encenar diferentes papéis e assiste enquanto sua história é imediatamente recriada e toma forma artística. Muitas variações artísticas são possíveis dentro da estrutura e ritmo de um evento performático como este.

A expressão playback theatre refere-se tanto a forma em si quanto aos grupos que fazem este tipo de trabalho. Concomitantemente se relaciona às tradições do teatro antigo e não tecnológico, e é novo, pois busca novas formas de criação. Para prática do playback theatre são necessários, respeito, empatia e espírito lúdico. Esta é uma técnica que tem como base histórias da vida comum, sonhos, memórias, fantasias, tragédias, farsas, fragmentos documentais da vida de pessoas reais, é acessível, divertida e, ao mesmo tempo, remete a dimensões de profundidade e sofisticação. Pode acontecer em praticamente em qualquer ambiente (salas de espetáculo, salas de aula, jardins abertos, cela de prisões, garagens particulares, etc) porque, por sua natureza, adapta-se às necessidades e às preocupações de qualquer pessoa presente, seja dos atores profissionais ou dos próprios participantes da platéia.O playback theatre celebra a experiência individual e as relações entre as pessoas, ele é ao mesmo tempo artístico, curativo e visionário.

Na existência fragmentada que muitas pessoas vivenciam, ele oferece um fórum onde não há julgamentos no compartilhamento de nossas histórias pessoais, vem da narração de nossas histórias nosso senso de identidade, as pessoas precisando contar suas histórias são acolhidas por um ambiente benéfico, seguro e alimentador, é um ambiente de aceitação e generosidade onde o respeito é uma das pedras angulares.

Outro elemento essencial no efeito curativo do playback theatre é o senso estético, as histórias são respondidas com sensibilidade artística e transformadas em peças de teatro. São feitas escolhas estéticas, em relação aos aspectos rituais - repetição de estruturas de espaço e tempo que proporcione estabilidade e familiaridade, à presença dos atores, à iluminação, ao que vestir, à organização da sala, à apresentação do palco, afinal é um teatro íntimo, informal despretensioso e acessível. Mas é teatro, com todas as suas implicações. Estas escolhas servirão então, como estrutura para realçar a forma. Essa é a raiz do processo artístico – sentir o significado e traduzi-lo em uma forma.

Cada umas das companhias, de cada um desses países, desenvolvem seus próprios movimentos e estilos de trabalhar. Contudo explicitaremos aqui o formato base para qualquer apresentação de playback theatre.


Aquecimento: seguindo as orientações de Salas, faz-se necessário incluir no aquecimento a apresentação do trabalho e do grupo, a primeira tarefa a ser cumprida é explicar às pessoas novas o que é playback theatre, e que se trata de uma ambiente seguro para contar suas histórias. O diretor deve destacar que as histórias reais de pessoas comuns merecem também um tratamento artístico e que são preciosas para serem compartilhadas em público. A música pode participar deste momento no intuito de estabelecer um clima aconchegante de cordialidade e respeito. Para que a platéia comece a se integrar no processo do playback, o elenco faz uma série de três ou quatro Esculturas Fluídas, nome dado a uma das formas de interpretar as histórias narradas durante uma apresentação de playback theatre. Consiste em formações cênicas com som e movimento feitas pelos atores, com o intuito de representar respostas da platéia às questões feitas pelo diretor. Geralmente as questões são a respeito de aspectos emocionais, por exemplo, como as pessoas estão se sentindo naquele momento. Então, são ditas palavras que representam este estado de ânimo, sensações e sentimentos. A resposta é voluntária e individual, embora todos sejam convidados a participar, em nenhum momento são pressionados a fazê-lo.O diretor pode solicitar mais destes sentimentos, no próprio aquecimento, ou para modificar o ritmo de uma apresentação que tenha sido extensa ou muito falada.

Narração: depois de alguns esclarecimentos e exercícios como os das Esculturas Fluídas e/ou um pouco de música, é hora de encenar histórias de coisas que aconteceram com as pessoas da platéia.O diretor convida o público a contar sua história. Antes da narração vem a entrevista, que é a primeira das cinco estágios da encenação. A entrevista serve para que diretor conheça um pouco do narrador e esclareça dúvidas sobre a história. O desafio é encontrar pistas que permitam à equipe fazer teatro a partir de uma experiência narrada (Salas, 2000, pg45). Para isso é necessário que se encontre a essência da história, a razão pela qual ela está sendo contada, e a melhor estética para representa-la. Assim o diretor vai solicitando ao narrador que escolha os atores para cada papel, na medida em que aparecem na narração. Na ordem em que são escolhidos, os atores vão se levantando, e vão se preparando internamente para a atuação. (Salas, 2000, pg46).

Preparação dos atores: Salas (2000), nomeia este momento de Montagem. É nessa hora que os atores começam a se posicionar para a encenação, os músicos tocam alguma coisa que evoque aquilo que sentiram como essencial na história contada e se o ambiente permitir é o momento de mudar a iluminação também.

Os atores podem também nesse momento escolher pedaços de tecido como trajes ou como peças de cenário, assim como, alguns acessórios versáteis, ou até mesmo caixotes, como simples marcações de cena. Não há combinação prévia na maioria das vezes, entretanto companhias os atores combinam a cena em segredo, antes da montagem. Coisa que para Salas não se faz necessária, a autora acredita que a menos que se tenha um tempo significativo para preparar, é improvável que aquilo planejado tenha maior qualidade do que aquilo que a intuição e o trabalho em equipe fazem surgir. (Salas, 2000, p.47) Quando tudo está pronto a música que entretinha a platéia pára, e passa a acompanha-la durante a história que passa a ser encenada.

Dramatização: a encenação da história propriamente dita. É o momento em que a história narrada transforma-se em realidade dramática, é o momento de ver, sentir e ouvir “como se“ a história estivesse acontecendo no aqui e agora. Tudo isto através da fala, dos gestos, movimentos, dos atores, de sons, música, iluminação, todos os elementos que compõem com o palco. Nesse momento diretor e narrador, não estão mais no palco, já se levantaram e estão sentados, lado a lado, na platéia para assistir a encenação. O diretor deve estar junto ao narrador para ouvir seus comentários e dar suporte, enquanto ele vê sua própria história no palco. Logo que a ação termina é a hora do reconhecimento, os atores num gesto respeitoso, de humilde e de coragem, pois se apropriaram de uma representação, oferecem ao narrador a história encenada.(Salas, 2000, p.48)

Compartilhar: assim vem a última e quinta etapa, a devolução ao narrador. O diretor e o narrador voltam ao palco, assim o diretor pergunta se a história encenada foi semelhante a história que ele narrou. Nesta ocasião o narrador pode expor todas as suas impressões e comentários e sentimentos sobre o que acabou de ver. O diretor de vê ouvir e dialogar com o conteúdo trazido. Isto feito é momento de abrir comentários para as pessoas da platéia que poderão compartilhar com o diretor, com o narrador e com grupo todo as suas experiências, identificações, sugestões, sentimentos, enfim aquilo que foi despertado diante da história narrada e encenada. O que pode acontecer é o narrador não gostar da encenação e quer corrigir alguma cena, ou porque não condiz a imagem que ele faz, ou mesmo porque gostaria, por exemplo, de ver sua história com um outro final. Isto é, acontece uma transformação, uma nova versão da história pode ser oferecida para o narrador, se assim ele manifestar nas suas impressões. (Salas, 2000, p.49)

Não pretendemos sugerir que um monitor de exposições tenha necessariamente toda uma equipe de atores ou músicos trabalhando com ele, mas que os próprios espectadores sejam os atores, neste sentido nos aproximando mais do Psicodrama.

Como dito anteriormente, a proposta é uma parceria com a Arte-educação na ótica da Proposta Triangular do Ensino da Arte, pois, elegemos esta visão para fundamentar a qual arte-educador fazemos referência.

Apreciando A Arte Educação.

De acordo com Ferraz e Fusari (1993) o termo Arte-Educação vem sendo utilizado no Brasil a partir da década de 70 e as propostas que refletem atuações nesta área são baseadas: em necessidades psicológicas do aluno; nas mudanças na formação do educador em arte; nos problemas ambientais e comunitários ou em suas necessidades; nas bases e limiares da interdisciplinaridade; nos diversos métodos de ensinar e aprender o conhecimento em arte, pensados a partir da própria Arte como um sistema de conhecimento do mundo; na arte concebida como advinda do fazer artístico da apreciação e da história da arte; nas articulações das verbalizações e percepções dos alunos com base na experiência estética.

A Arte-Educação também foi muito influenciada pelas idéias de Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora que é voltada para o diálogo educador-educando, a qual busca promover a consciência crítica, influenciando a educação não formal.

Dentro desta perspectiva educacional, escolhemos como referência a Metodologia Triangular desenvolvida por Ana Mae Barbosa, que tem por base um trabalho pedagógico que integra três facetas do conhecimento em arte: o fazer artístico; a leitura de obras de Arte e a contextualização através da história da arte:

Nessa perspectiva, os arte-educadores se baseiam na construção do conhecimento em Arte, pela intersecção de experimentação, decodificação e informação. Um saber consciente e informado é o que possibilita a aprendizagem em Arte, diz Barbosa. (2002, p.17) Concebe a Arte não só como uma das metas da educação mas sim como o seu próprio processo, que é considerado também criador, tendo a Educação em Arte como uma ação educativa, criadora, ativa e centrada no aluno.

Robert Willian Ott (1999), diz que devemos trabalhar através de um ensino sensível, ou seja, um sistema de arte-educação que possibilite, uma atmosfera positiva para a crítica.

Trabalhar com uma educação crítica transforma a educação artística em um catalisador no desenvolvimento, aprendizagem, percepção e compreensão da arte como expressão de crenças e valores de uma civilização. Através desta prática educacional são reveladas formas de expressão artísticas que contém idéias da cultura universal, cujos significados são relevantes para a sociedade.

A Arte é um poderoso meio de comunicação, e como tal, uma forma de aprender a compreender idéias, aspirações de uma civilização, e reconhecer a linguagem artística como das maiores contribuições para a sociedade, requer uma ativa, e não passiva atuação em relação à Arte.

Desta forma uma exposição, num museu, ou espaço cultural, é um ótimo lugar, possibilita que o ensino da crítica de arte, seja realizado por intermédio das obras no original apresentada, onde o poderoso impacto da própria obra torna a educação no museu uma experiência única.

O trabalho em exposições requer uma série de cuidados específicos da modalidade. Cuidados que provém de condições como: a) um discurso curatorial, ou seja, aquilo que está exposto, foi selecionado, e organizado, segundo as referências e vontades de alguém. É um recorte; b) este discurso conversa com o ambiente que o acolhe; c) apesar do discurso, existem objetos reais expostos; d) um público variado, que pode vir de qualquer parte, pode ter grande conhecimento a respeito do que está sendo exposto, assim como pode não nenhuma referência a respeito daquilo; e) o contato entre educador e público será único e de curta duração. Levar em conta, estas condições, são de fundamental importância para o bom desenvolvimento do trabalho.

Acreditamos que, o arte-educador em uma exposição tem a função de mediador entre público, objeto exposto e discurso expositivo podendo ser este desde um quadro, um utensílio arqueológico até documentos escritos.Além dessa função, tem por objetivo facilitar o contato indivíduo / objeto através de contextualização histórica e biográfica, exercícios que utilizam o intelecto e a ação, para que o indivíduo tenha ferramentas que lhe permitam um olhar crítico sobre aquilo que está vendo,

A proposta Triangular do Ensino da Arte

A relação entre o “fazer” artístico, a leitura deste fazer e sua inserção no tempo é um modo de aprender arte.

Segundo Rizzi (1999) a concepção de ensino e aprendizagem da arte, sistematizada por Ana Mãe Barbosa foi denominada “Proposta Triangular”, por desenvolver três âmbitos de intersecção: o fazer artístico, a leitura da imagem e a história da arte. É o produto de sua reflexão a partir do estudo de três abordagens epistemológicas:

- Das “Escuelas al Aire Libre”, que surgiram após a revolução Mexicana de 1910, resgatando os padrões de arte e artesanais nacionais perdido com a imposição dos padrões europeus nas escolas do país. Foi o único movimento modernista de ensino da arte que, assumiu a idéia de arte como expressão e cultura (p.31);

- Do movimento “Critical Studies”, vindo da Inglaterra, que surgiu na década de 1970, em resposta à insatisfação da utilização do ensino da arte como recreação, ao invés de assumir uma postura onde a apreciação era vista como uma possibilidade de leitura, análise e reconhecimento de uma obra como inserida num contexto histórico-sócio-cultural, estético e técnico (p.32);

- E do DBAE, “Discipline - Based Art Education” (DBAE), no português traduzido como “Arte - Educação entendida como disciplina”, desenvolvida por arte-educadores americanos, tais como Eliot Eisner, Brent Wilson, Ralph Smith e Marjorie Wilson. O DBAE aponta para a necessidade da inclusão da produção de arte, história da arte, crítica de arte e estética na composição do currículo escolar, se diferenciando do paradigma que dominou o ensino da arte nas décadas de 1940 e 1950, o da auto-expressão. Esta visão contemporânea valoriza a construção e a elaboração como procedimento artístico, a cognição em relação à emoção e a possibilidade do acesso e compreensão do patrimônio cultural da humanidade pela dimensão do fazer artístico.(Rizzi,1999).Na concepção clássica do DBAE, são quatro as instâncias do conhecimento em arte: a produção, a crítica, a estética e história da arte, que eram dadas como disciplina de forma seriada, fazendo justaposição dos conhecimentos. Portanto, a concepção da produção artística na metodologia triangular está envolvida com o processo criativo, visto como interpretação e representação pessoal de vivências numa linguagem plástica.

A pretensão da Metodologia Triangular é mostrar que a Arte não está isolada de nosso cotidiano, de nossa história pessoal. Apesar de ser um produto da fantasia e imaginação, ela não está isolada da economia, da política e dos padrões sociais que operam na sociedade. Idéias, emoções, linguagens diferem de tempos em tempos, de lugar para lugar, e não existe visão não influenciada e isolada do cotidiano do indivíduo. Na Metodologia Triangular, a história da arte não é tratada como uma abordagem puramente cronológica, mas contextualiza o artista e sua obra no meio sócio-cultural.

A proposta é que o professor trabalhe integrando os três âmbitos da Metodologia Triangular: fazer, contextualizar e ler.

A Proposta Triangular, portanto, insere o paradigma complexo da educação em arte, o qual integra as ações e conteúdos não indica um procedimento dominante ou hierárquico, mas aponta para o conceito de pertinência na escolha de determinados conteúdos e ações, enfatizando sempre a coerência entre os objetivos e os métodos.

Fizemos uma observação da performance de um arte-educador em uma exposição, e do comportamento de um grupo de visitantes monitorado por ele, para que pudéssemos, a partir da prática, e portanto de forma mais fidedigna, fazer uma proposta educativa usando o Playback Theatre às possibilidades reais de atuação.

Com base nisto, discutimos a seguir a cerca da importância da proposta de propor o Playback Theatre como uma proposta educativa.

 Através do Playback Theatre é possível que os integrantes de um grupo estabeleçam entre si uma relação de identificação e confiança, explicitada por Moreno (1973) através do conceito de tele que indica uma percepção mútua e integrada entre as pessoas envolvidas. Com a narração de histórias pessoais e da colaboração entre os integrantes do grupo, para que essas histórias possam ser dramatizadas, o homem entende sua existência no encontro com o outro. Este cenário prima pelo modo como são transmitidas e captadas as correntes afetivas, enriquecendo a vivência pessoal da experiência relacional no aqui e agora.

De acordo com o que propõe Ott (1999), trabalhar com uma educação crítica transforma a educação da arte em um catalisador no desenvolvimento, na aprendizagem, na percepção e na compreensão da arte como expressões de crenças e valores de uma civilização. A utilização do Playback Theatre como prática educativa em uma exposição enriquece por estimular a espontaneidade e criatividade dos membros de um grupo e possibilita o desenvolvimento de reflexões críticas em relação ao que está sendo visto. Isto porque em uma exposição, o espectador entra em contato com diferentes culturas e diversos tipos de representações artísticas de diferentes épocas da história. É nesse contato que o indivíduo se dá conta dos diferentes valores e regras sociais existentes sobre os quais poderá refletir. É essa reflexão que será vivenciada no Playback Theatre. O indivíduo, ao usar sua espontaneidade durante a atividade, aprende a se colocar como membro do grupo social e se desenvolve, definindo seus próprios papéis. No Playback Theatre, é possível que cada membro do grupo experiencie como expectador identificante ou como ator representante.

 Freire (1987) critica educadores que usam a narração de conteúdos programáticos de forma a petrificá-los. Neste movimento, a narração implica um sujeito – o narrador – e objetos passivos, ouvintes – os educandos. A realidade se transforma em algo parado, compartimentado, e aquilo que é transmitido, muitas vezes, é algo completamente alheio às experiências dos educandos. Nessas dissertações as palavras se esvaziam de seus significados, se tornam apenas som, transformam-se em palavras ocas, perdem sua ação transformadora.

      A narração na qual apenas o educador é sujeito leva os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado, os educandos se tornam recipientes a serem “enchidos“ pelo educador. A educação nesta concepção vira um ato de depositar, o educador faz “comunicados”, mas não se comunica, e faz depósitos cujos educandos recebem pacientemente, memorizam e repetem. O educador doa seu “saber” àqueles que nada sabem. Nesta concepção, a qual o autor identifica como “bancária”, não há transformação, portanto não há verdadeiro saber. Segundo Freire (1987):

“Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também.(p.58)”.

      Na observação que fizemos, notamos que a arte-educadora exercia o papel de depositária das informações, enquanto o grupo se posicionava como depositário passivo, sendo, portanto, um tipo de educação que oprime a espontaneidade e a criatividade dos educandos, dificultando sua compreensão a respeito de si mesmos e do seu grupo e o contato com o saber.

      O Playback Theatre, neste contexto vem justamente propor uma educação libertária, dando abertura para um diálogo não só entre educador/educando, mas também entre os educandos entre si, proporcionando um trabalho emancipador.

 Para Freire (1987) uma educação libertária implica uma visão dos homens como seres conscientes, e na consciência intencionada ao mundo, não apenas um depósito de conteúdos, mas uma problematização dos homens em suas relações com o mundo. Uma educação problematizadora exige a superação das contradições da relação educador/educando, ou seja, de uma relação como a que se tem na concepção “bancária”, na qual não há diálogo. Uma educação libertária supera esta contradição e se concebe na dialogicidade, a qual o educador se torna educador-educando, e o educando se torna educando/educador.

Como diz Freire (1987):

“Ambos assim se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem. Em que para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita estar sendo com as liberdades e não contra elas (p.68)”.

      Mesmo entrando em contato com diversas culturas, diferentes concepções estéticas e sendo convidado a refletir sobre isso, o visitante de uma exposição de arte tem poucas oportunidades para se expressar com espontaneidade e propriedade, se submetendo a regras, conflitando seu poder criativo com uma conserva que lhe é imposta. Através do Playback Theatre esse homem criador e espontâneo poderá usar esse potencial para transformar e recriar junto com o educador.

      No Playback Theatre os três âmbitos da Proposta Triangular: a leitura, a contextualização e o fazer, se completam, é o momento da realização tanto no sentido de fazer, como de compreender, e de dar significado.

      Assim como a contextualização do conteúdo da exposição abre um diálogo com outras áreas de conhecimento além da História da Arte, como a Filosofia, a História, a Antropologia, as Ciências Exatas ou Biológicas, entre outras, o Playback Theatre abre um diálogo que possibilita um encontro em que existe um compartilhamento do refletir e do agir dos sujeitos participantes, endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado.

     Citando Freire (1987):

“Não há diálogo, porém se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronuncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda (p.79)”.

      Neste diálogo, o Playback Theatre permite aos atores e à platéia experiências enriquecedoras através do desempenho de papéis e dos elementos de interação social que constituem essa experiência.

      Falamos até aqui da estrutura de um espetáculo de Playback, e sobre algumas das condições necessárias para que este possa ocorrer. Mas, lembremos um pouco da proposta que defendemos aqui, a de usar o Playback Theatre como um recurso para o arte-educador. Não pretendemos sugerir que um monitor de exposições tenha necessariamente toda uma equipe de atores ou músicos trabalhando com ele, portanto nos fundamentaremos nas seguintes colocações de Jo Salas:

      Os espectadores como atores:

“[...] Aprendemos desde o início que, enquanto as pessoas da platéia nos vêem encenar suas histórias, elas também têm vontade de ser atores. Parece muito divertido. Em virtude do desempenho simples dos atores de Playback, com bem pouco mistério, qualquer pessoa, mesmo que não tenha experiência como ator, pode identificar-se com eles e pensar: “Eu gostaria de tentar”. Assim depois de termos feito duas cenas, a maioria dos atores deixa o palco e convidamos as pessoas da platéia para assumir seus lugares. Na cena seguinte o diretor dá uma orientação extra para estes atores, a respeito de como encenar a história (...). A espontaneidade da platéia é rica; sua espontaneidade e criatividade foram despertadas (...) O Playback Theatre é, acima de tudo, um teatro do momento. Podemos fazer qualquer coisa que nos pareça cabível à situação (Salas, 2000, p. 53-54”.

      Desta forma, acreditamos que qualquer pessoa é capaz (contanto que envolvida com a atividade) de se tornar um ator de Playback Theatre, mesmo que momentaneamente, e proporcionar experiências significativas para um membro de seu grupo que contará sua história, assim como para o grupo como um todo e para si próprio. E é com base nisto inclusive, que faremos nossa proposta.

      Destarte, nesta técnica de improvisação teatral é possível identificarmos também efeitos curativos, pois, ao ser encenada a história de alguém, os participantes poderão dar seus próprios significados

“[...] as pessoas precisam contar suas histórias. È um imperativo humano básico, vem da narração de nossas histórias nosso senso de identidade, o nosso lugar no mundo e até mesmo nossa bússola do mundo em si. Na existência fragmentada que muitos de nós experimentamos, e na qual há pouca continuidade de pessoas e de lugares, onde a vida move-se rápido demais para que possamos ouvir cuidadosamente uns aos outros, onde muitas pessoas estão buscando um significado que lhes parece sempre ilusório (Salas, 2000, p.123)”.

      A possibilidade de fazer teatro, a partir de experiências pessoais vividas durante a visita a exposição, com nenhuma outra preparação além daquela que a própria espontaneidade pode proporcionar no momento, faz do Playback Theatre confortador, comprometido com o florescer do espírito humano, um fórum onde não há julgamentos, e pode em muitos casos representar uma catarse, uma experiência reparatória, uma afirmação, meios de construir pontes e celebrar laços.

      Outro elemento essencial no efeito curativo do Playback Theatre é o senso estético em todos os aspectos; na presença dos atores, na iluminação, no que vestir, na apresentação do palco. Podendo acontecer praticamente em qualquer ambiente (salas de espetáculo, salas de aula, jardins abertos, cela de prisões, garagens particulares, etc) porque, por sua natureza, o Playback Theatre adapta-se às necessidades e às preocupações de qualquer pessoa presente, seja dos atores profissionais ou dos próprios participantes da platéia, por isso se adapta a proposta ao uso em exposições, que acontecem em ambientes variados com temáticas sempre diferentes para públicos diferentes.

      Uma prática libertária se refaz constantemente na práxis, para ser tem que estar sendo: esta concepção reforça a mudança e não a permanência. Não existem homens sem mundo, sem realidade, o ponto de partida da ação é na relação homem mundo, daí que seu ponto de partida esteja sempre nos homens no seu aqui e no seu agora, que compõem a situação em que estão imersos (Freire, 1987, p.73).

      O Playback Theatre poderá, então, dar significado a visita, pois está sendo no aqui e agora, não aceita um futuro pré-determinado; enraizando-se no presente dinâmico, uma simples visita poderá se fazer revolucionária.

      Não temos dúvidas de que uma educação crítica aproxima o sujeito de suas próprias questões e permite que ele as formule de modo a construir um verdadeiro saber. No caso das artes visuais pensamos que o Playback Theatre pode ajudar muito, pois o sujeito irá vivenciar, através de uma dramatização, algum sentimento que tenha emergido para ele a partir de uma imagem da exposição; os próprios exercícios realizados no Playback se configuram de forma a nos ajudar a compreender tanto as imagens externas a nós ou mesmo a transformar os sentimentos internos em imagens, como por exemplo acontece nas Esculturas Fluidas.

Sua proximidade cria a ilusão de que não são dois atores, mas uma só pessoa com dois ‘Eus’ divergentes (Salas, 2000, p.50).

      Através da arte, a pessoa coloca sua marca pessoal na sociedade; no Playback Theatre ele terá a oportunidade de se mostrar, de expressar e de atuar no mundo.

      A dinâmica do grupo que observamos nos lembrou um estilo de visita comentado por Barbosa (2004), na qual existe uma preocupação em seduzir o público por meio de artifícios diversos; enxergamos esta sedução como uma forma de manter o poder para que não ocorram críticas ou reflexões, mas para que o visitante receba o conteúdo a ser passado. Identificamos as numerosas histórias contadas pela arte-educadora como um meio de sedução, portanto, usando a possibilidade de educar como prática da dominação, o que acreditamos neste caso não ser algo proposital, mas sim um modelo cultural vivenciado, apreendido e repetido.

      Isto nos fez refletir. Nossa crítica, então, ficou ainda mais clara ao percebermos que propomos quase que o mesmo recurso, ou seja, contar histórias. A diferença é que não a usaremos de forma simplesmente narrativa, como fez a arte-educadora da observação. Mas como propõe Freire (1987), nossa proposta é a utilização do Playback Theatre por arte-educadores, como prática da liberdade. O ponto, portanto, é a respeito de Como trabalhar e não Em que trabalhar.

Por fim as reflexões resultantes apontaram para a necessidade de criação de novos olhares e ações com grupos, em geral heterogêneos de pessoas e linguagens, no que, certamente, o Playback Theatre, como meio de ação educacional poderá colaborar.

Fica aqui o convite para o início de um diálogo a cerca da parceria que pode ser estabelecida entre a Arte-educação e a Psicologia em prol de vivências de qualidade.

  UMA POSSÍVEL APLIACAÇÃO

     Criatividade. Espontaneidade. Fazer artístico. Transformação. Essas foram umas das muitas palavras significativas que dissertamos durante todo o nosso trabalho.

     Agora, é chegado o momento em que usaremos enfim a nossa espontaneidade para criar uma proposta, oferecendo um novo recurso pedagógico para a prática da arte-educação.

     A inquietação que emergiu em relação à utilização da técnica do Playback Theatre se constituiu na prática em si.

     Como podemos aplicar de fato esta técnica? Quais empecilhos podem surgir?

     Nos questionamos sobre os efeitos que podem ser causados pelo Playback nos participantes, e como lidar com a demanda que venha a aparecer.

     É fundamental que o arte-educador que escolher aplicar esta técnica em seus grupos tenha uma formação em Playback Theatre, para que consiga conduzir a atividade.

     Contudo, podemos ressaltar que nossa proposta possui um enfoque estritamente educacional, relacionando-se, portanto, ao recurso pedagógico, e não clínico, já que existiu uma preocupação por parte das autoras, relacionada a tensões, sofrimentos psíquicos e emoções contidas, que poderiam vir à tona em uma atividade como esta, mas que desviaria o foco educacional proposto.

     Porém, acreditamos que seja natural a presença de questões que abarquem aspectos psicológicos, não apenas nesta atividade, mas em qualquer tipo de situação que envolva relações interpessoais. Desta forma, o arte-educador devidamente preparado saberá como lidar com estas situações.

     A proposta consiste em aplicar a técnica do Playback Theatre como um recurso educacional, permitindo uma maior liberdade de atuação para o educador/educando e de aprendizagem para o educando/educador, pois acreditamos que possibilita, através da narração seguida de uma dramatização, a vivência dos conteúdos a serem compreendidos. A idéia é facilitar a fruição da experiência do indivíduo com aquilo que está sendo visto.

     A aplicação pode ser durante ou após a visita à determinada exposição. Entretanto, apresentaremos um modelo de aplicação do Playback Theatre após a visita.

     Desta forma, explicitaremos a seguir uma aplicação do Playback Theatre por um arte-educador em grupo de uma determinada exposição.

     O arte-educador tendo concluído o roteiro da visita, que obrigatoriamente deve conter a leitura de uma ou mais obras, propõe para o grupo uma nova atividade que dará continuidade ao desenvolvimento do trabalho.

     O arte-educador neste momento, ao convidar o grupo de visitantes a participar, deverá explicar o funcionamento da atividade, assim como propõe Salas (2000).

O diretor sabe que uma de suas primeiras tarefas é explicar às pessoas novas o que é o Playback Theatre e mostrar que se trata de um lugar seguro para contar suas histórias. É muito importante ter um ritual de abertura, tanto para as pessoas que freqüentam regularmente, quanto para aquelas que estão ali pela primeira vez. O diretor deve ressaltar que as histórias reais de pessoas comuns são valiosas para serem compartilhadas em público e para receberem um tratamento artístico (p.43).

     A própria visita deverá ter servido como aquecimento para o grupo poder entrar em contato com o Playback Theatre, através das leituras, contextualizações e diálogos.

     Em seguida, o arte-educador deve proporcionar ao grupo um ambiente de tranqüilidade e segurança, onde a partir das percepções e interpretações sobre o que foi visto na exposição, cada indivíduo do grupo possa lembrar ou criar uma história.

     Este exercício pode ser feito, por exemplo, com os visitantes de olhos fechados enquanto a arte-educadora dará as instruções a respeito da construção das histórias. Estas instruções ajudarão o indivíduo a construir a sua história.

     O arte-educador deverá criar um clima permissivo e interativo, encorajando os integrantes a expor sua história e/ou estar aberto para representar e ouvir a história do outro. Pois sustentamos que os atores sejam os próprios membros do grupo.

     A seguir, dar-ser-á o momento da escolha da história a ser representada. Um dos integrantes do grupo voluntariamente se dispõe a contar sua história. O arte-educador o convida para se posicionar de frente apara o restante do grupo, ou seja, no lugar escolhido para ser o palco de acordo com o espaço disponível. O arte-educador deve fazer uma entrevista com este sujeito para conhecê-lo melhor e para conhecer sua história. Assim este integrante passa a ser um narrador. Durante a narração, o arte-educador deve estar atento aos personagens e fatos que aparecem na história e as relações feitas por ele ligadas à exposição em questão, podendo fazer intervenções a respeito desta, e sempre enfatizando, em voz alta, o que é dito. Ainda durante a narração, o arte-educador deve orientar o narrador a escolher as pessoas do grupo que irão representar cada um dos papéis que aparecem na sua história, ou pelo menos os principais.

     Chegou o momento da dramatização, mas antes, os integrantes escolhidos para encenar a história terão alguns minutos para arrumar figurino e cenário para a realização da cena com acessórios oferecidos pela arte-educadora.

     Deste modo, os integrantes participantes que prestaram bastante atenção na história, pois foram orientados neste sentido deverão estar envolvidos o suficiente para a realização da cena. Assim, se posicionam no palco e realizam a encenação da história. Neste momento o narrador e arte-educador viram espectadores.

     A dramatização é feita, ao seu término o narrador volta ao palco para o reconhecimento de sua história, depois de dado seu parecer todos do grupo são convidados pelo arte-educador a compartilhar desta experiência com suas impressões, interpretações e sentimentos. O arte-educador deve estar atento às possíveis relações que apareceram a partir da visita à exposição, direcionando o trabalho neste sentido.

Não colocamos em nossa proposta um dos elementos do Playback Theatre - por acreditarmos que este elemento seja de difícil viabilidade - a música. Isto porque a proposta é dirigida a um profissional com um grupo, que terá um tempo reduzido de contato, apenas algumas horas de um dia, e não a uma equipe de profissionais da maneira que trabalham as companhias profissionais. Além disso, estamos falando de profissionais que trabalham em exposições e museus, os quais geralmente, pelo menos aqui no Brasil, não têm um espaço específico para suas atividades, dependendo muitas vezes das possibilidades do ambiente, que variam muito. Entretanto, a música poderá ser acrescentada de acordo com as possibilidades do arte-educador e de seu ambiente de trabalho, enriquecendo sem dúvida a atividade.


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